11/08/2014 12h54
 

Familiares de perseguidos políticos e participantes da “Noite do Beijo” foram ouvidos nesta segunda-feira, 11, na Câmara.

 

A Comissão Municipal da Verdade "Alexandre Vannucchi Leme" ouviu na manhã desta segunda-feira, 11, no plenário da Câmara de Sorocaba outros quatro depoentes, começando pelo presidente da OAB Sorocaba, Alexandre Ogusuku, filho do metalúrgico Yoshio Ogusuku. Também foram ouvidos o ator Carlos Batistella, o jornalista Davi Deamatis e a antropóloga Maria Tibúrcia de Araújo Roco, sobrinha do perseguido político Manuel Campos de Medeiros.

 

A rodada de depoimentos foi comanda pelo presidente da Comissão, Izídio de Brito (PT), com participação do relator Anselmo Neto (PT). O psicanalista e professor de filosofia Daniel Lopes, a advogada Nalva Pazetti, da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (MJ) e integrantes do movimento “Levante Popular” também participaram da oitiva.

 

A grande greve: Alexandre Ogusuku iniciou fazendo menção ao Dia do Advogado comemorado em 11 de agosto, quando em 1827 foram instalados os primeiro cursos de direito do país. Em seguida, relatou a trajetória do seu pai.

 

Filho de Japoneses, natural de Mirandópolis, Yoshio Ogusuku mudou-se para Sorocaba com os pais feirantes. Estudou no SENAI e se muda na década de 60 para São Paulo para trabalhar na indústria metalúrgica. Na Volkswaguen passou por greves de 1977 a 1980. Neste último ano, quando foi decretada a “grande greve do ABC”, ocupava cargo de chefia na empresa e foi o único chefe a aderir solidariamente aos seus comandados à paralisação por melhores condições de trabalho e remuneração que durou 40 dias. 

 

Ogusuku lembrou a passagem em que seu pai leu uma mensagem aos grevistas onde apontava a prisão do líder sindical Luis Inácio Lula da Silva. Para o presidente da OAB, o grupo não lutava contra a ditadura, mas sim por qualidade de vida, destacando que seu pai não ingressou no sindicato ou na vida política, inclusive nunca se filiou em partido político. Como consequência ao apoio declarado a favor do sindicato e dos sindicalistas, Ogusuku foi demitido e passou a ser perseguido politicamente. Em 1982, após várias tentativas de novos empregos e de passar por uma perseguição velada, que o impediu de voltar a exercer sua profissão, volta à Sorocaba e começa a trabalhar como feirante junto a sua família.

 

A Noite do Beijo: O segundo a falar foi o jornalista e atual secretário de Comunicação da Câmara, Davi Deamatis, que lembrou sua participação no episódio conhecido como “Noite do Beijo” ocorrido em 7 de fevereiro de 1981, no final da ditadura militar, em resposta a portaria do juiz substituto Manuel Morales que proibia os “beijos cinematográficos” na cidade.  

 

O jornalista falou sobre a importância social, cultural e política da manifestação. Na época, Deamatis fazia a peça teatral “O Rei da Vela”, quando foi convidado a participar do evento. O jornalista também relatou a espera da liberação pela censura da peça, dirigida por Carlos Alberto Mantovani e que era uma das peças proibidas.

 

A ansiedade da juventude por liberdade levou à realização da manifestação que repercutiu na imprensa por todo o país e levou muitos jovens a participar do evento realizado no centro da cidade. Davi Deamatis relatou que escapou de ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional por sua semelhança física com Carlos Batistella que na época era menor. Questionado sobre as prisões da noite, Deamatis citou o nome do jornalista Mario Cesar Carvalho, atual jornalista da Folha de São Paulo.

 

Dando continuidade ao tema, o diretor de arte e escritor Carlos Batistella, deu detalhes sobre a manifestação resgatada no livro “A Noite do Beijo”. Batistella falou sobre o movimento da juventude, que classifica como espontâneo, impulsionado pelos secundaristas, com participação de artistas, metalúrgicos e universitários, entre outros. Devido ao envolvimento político, o jovem repórter não conseguiu o registro de jornalista o que o impossibilitou de praticar a profissão. 

 

Emocionado, Batistella citou vários participantes da Noite do Beijo e falou sobre passagens daquela noite que reuniu milhares de jovens, fugindo do controle dos organizadores, terminando em pancadaria e repressão policial, com a prisão dos líderes. Também falou sobre intimidações sofridas após o episódio. Para Batistella a criminalização da Noite do Beijo, se deu pela politização do movimento. Em reposta aos questionamentos, o diretor afirmou que não chegou a ser preso, apenas detido e liberado, sendo Rubens Figueiredo o delegado responsável. Também afirmou que não sofreu tortura. 

 

Último depoimento: A antropóloga Maria Tibúrcia de Araújo Roco, sobrinha do ativista político Manuel Campos de Medeiros, encerrou a oitiva. O funcionário público foi um dos presos políticos de Sorocaba. Maria falou sobre o sofrimento da família em consequência da prisão do tio, lembrando o acervo de livros e documentos relativos ao período que ele tinha no porão de sua casa. Faxineiro do Mercado Municipal, Medeiros foi preso na cadeia da Rua General Carneiro acusado de ser comunista.

 

A depoente relatou sua participação, ainda criança, quando foi incumbida de levar comida ao tio na cadeia. Segundo Maria, o tio foi solto após cerca de 15 dias, mas antes a polícia invadiu o porão da casa e ateou fogo em toda sua coleção. A antropóloga afirmou que o tio dizia nunca ter sido torturado, mas acredita que ele possuía um projétil alojado no corpo. Maria lembrou ainda as mazelas que a família passou após a prisão do tio e seu envolvimento político, como a dificuldade de arranjar emprego e impossibilidade de reuniões familiares, além da perda das terras da família. Corroborando o depoimento, Sueli Maia dos Santos, prima de Maria, também falou sobre a trajetória de Manoel de Medeiros, falecido em 1986. As sobrinhas não sabem a data de sua prisão.  

 

Histórico dos trabalhos – A Comissão da Verdade está na fase de coleta de depoimentos, que serão transcritos e enviados à Comissão Nacional da Verdade no fim deste ano. Os resultados também estarão disponíveis para instituições interessadas na história da região durante o regime militar.

 

A agenda de trabalho da Comissão da Verdade é desenvolvida conforme a disponibilidade de cada personagem, que é convidado a depor na Câmara. A comissão é  presidida pelo vereador Izídio de Brito (PT) e tem como relator Anselmo Neto (PP), além dos membros Saulo do Afro Arts (PRP) e Neusa Maldonado (PSDB).