Foi o que garantiu o secretário de Mobilidade e Acessibilidade na audiência pública presidida pelo vereador JP Miranda (PSDB), com a participação de taxistas e motoristas do Uber, que lotaram a galeria da Casa
A regularização do transporte individual de passageiros contratado por meio de aplicativos, como o Uber e afins, foi debatida em audiência pública no plenário da Câmara Municipal de Sorocaba, na noite de segunda-feira, 13, com a galeria da Casa completamente tomada por taxistas e demais motoristas que atuam nesse setor de prestação de serviços. O vereador João Paulo Miranda, o JP Miranda (PSDB), presidente da comissão especial instaurada no Legislativo para estudar o assunto, presidiu a audiência pública.
A mesa dos trabalhos também foi composta pelo secretário de Mobilidade e Acessibilidade e diretor-presidente da Urbes, Wilson Unterkircher Filho, representando o prefeito José Crespo (DEM), e pelos vereadores Francisco França (PT), Hudson Pessini (PMDB), Renan Santos (PCdoB), Péricles Régis (PMDB) e Rafael Militão (PMDB). O vereador Fausto Peres (PTN) esteve presente em parte da audiência. A audiência contou com intenso debate entre líderes sindicais dos taxistas de Sorocaba e de São Paulo, motoristas de Uber e representantes da sociedade civil.
O vereador Adilson Amaral, do PTB de São Paulo, entregou a JP Miranda um dossiê sobre o Uber no Brasil, que, segundo ele, foi entregue à Corregedoria da Polícia Federal, que “está investigando a empresa”. Na tribuna, o vereador paulistano disse que, em todo o Brasil, a empresa Uber tem cerca de 300 mil veículos cadastrados e, só em São Paulo, 86 mil. Adilson Amaral defende que haja um limite, em cada município, para o número de veículos cadastrados no Uber, que não poderia ultrapassar 20% dos alvarás de estacionamento de táxis.
Defesa da regulamentação – O vereador Francisco França (PT) – autor de lei que proibia o Uber em Sorocaba, posteriormente declarada inconstitucional pela Justiça – fez a defesa da categoria dos taxistas e argumentou que é necessário regulamentar o Uber e demais transportes por aplicativos no município, para evitar a “concorrência desleal e predatória”. Também o vereador Renan Santos (PCdoB), declarando-se usuário de táxi e do Uber, afirmou que é preciso enfrentar a questão com coragem.
Por sua vez, o vereador Hudson Pessini (PMDB) fez críticas ao custo do Estado: “A dificuldade maior neste país não é trabalhar, mas trabalhar tendo como sócio um Estado que crucifica a gente com impostos, encarecendo os serviços”, afirmou. Para Pessini, por não pagar impostos, o Uber e demais transportes por aplicativos podem oferecer um menor preço, mas, por outro lado, acabam fazendo concorrência desleal aos taxistas, que são reféns de uma série de impostos. “Temos que encontrar um meio-termo, contribuindo com a Urbes, que já está trabalhando para regulamentar esse serviço”, observou.
O vereador Péricles Régis (PMDB) foi taxativo: “Aqui não temos lado: sou taxista ou sou Uber – aqui somos o povo”. Com base nessa premissa, o vereador disse acreditar que será possível promover uma regulamentação que seja boa para os taxistas e para os motoristas do Uber e dos demais transportes por aplicativos. Hudson Pessini, por sua vez, criticou a taxa cobrada pelo Uber de seus motoristas, no seu entender, muito alta: “O Uber cobra uma taxa de 25% do motorista e poderia arcar com as taxas do município, sem repassá-las adiante” – argumentou.
O secretário de Mobilidade e Acessibilidade, Wilson Unterkircher Filho, afirmou que a regulamentação do Uber e demais transportes por aplicativos deve ficar pronta e ser assinada pelo prefeito José Crespo, no máximo, em dez ou quinze dias. “Essa regulamentação tomou como base os casos de Vitória e São Paulo e foi adequada à realidade de Sorocaba”, afirmou, adiantando que todos os funcionários das plataformas, como o Uber, deverão ser cadastrados na Prefeitura e receber o mesmo preparo cobrado dos taxistas. O motorista do Uber também terá de ser proprietário do veículo e licenciá-lo em Sorocaba.
Debate acalorado – O presidente do Sindicato dos Taxistas de Sorocaba, Antônio Rodrigues Silva, afirmou que seu sindicato é contra o Uber, que, no seu entender, atropela as leis. “Queremos que o Uber seja regulamentado, sim, com direitos e deveres iguais para todos e não da forma como foi regulamentado em outros municípios, em que isso não está acontecendo”, afirmou o sindicalista.
Um motorista do Uber, Eduardo Alexandre, afirmou que os usuários de Uber não são usuários de táxi. “Criamos um público novo, que não andava de táxi”, afirmou, acrescentando que os motoristas do Uber não são contra a regulamentação. Na mesma linha, o representante do Movimento Brasil Livre em Sorocaba, Ítalo Moreira, afirmou que a maioria dos usuários do Uber não tem dinheiro para tomar táxi e que, no seu entender, a plataforma atende o interesse dos mais pobres.
Sérgio Branco, representando o Programa Táxi Debate, de São Paulo, afirmou que o Uber é ilegal e faz “lavagem cerebral” em suas motoristas. “Taxista é profissão; eles não são profissão e estão fazendo bico na nossa. Nós, taxistas, não somos cabides de emprego e não vamos resolver o problema de 13 milhões de brasileiros desempregados. Vocês, motoristas do Uber, estão sendo lesados pela empresa, principalmente pelos 25% que ela cobra de vocês”, afirmou. Antônio Raimundo Matias, presidente do Simtetaxis de São Paulo, também defendeu a regulamentação do Uber.
Um representante dos usuários, Vinicius Rodrigues, também fez uso da palavra: “Não estou aqui para defender o Uber ou os táxis, mas, como usuário dos dois serviços, defendo o consumidor". Segundo ele, uma cooperativa de táxi da cidade está praticando “bandeira 1” em tempo integral e dando 10% de desconto para quem pedir o táxi pelo aplicativo. “Esse é o caminho. Essa é a beleza da concorrência”, afirmou Vinícius Rodrigues, citando o economista francês Frédéric Bastiat (1801-1850), defensor histórico da livre concorrência. “O consumidor quer um bom serviço e um serviço mais barato. É isso o que importa”, enfatizou.
Livre concorrência – Falando em nome dos usuários, Bruno Lincoln Ramalho Paes também defendeu o transporte por meio de aplicativos em nome da livre concorrência: “Não precisamos do Estado atrapalhando a economia, não precisamos de vocês atrapalhando o livre mercado. Os taxistas tiveram anos e anos para melhorar o serviço, e não o fizeram, agora querem impedir a livre concorrência, as trocas voluntárias, por meio do braço armado do Estado”, argumentou e, citando o escritor alemão Goethe (1749-1832), disse que “o pior escravo é aquele que não vê os seus próprios grilhões”, em resposta à manifestação de taxistas que chamaram os motoristas do Uber de “escravos”. Já o munícipe Gilberto José Ferreira, motorista da Uber, disse que o serviço gera emprego e afirmou que não se pode ir contra o avanço tecnológico.
A motorista do Uber, Neide Perino, afirmou que “a tecnologia sempre chegou primeiro do que a regulamentação”, disse que “Uber não é empresa de transporte, mas de tecnologia” e criticou o excesso de tributos, sustentando que os taxistas deviam se mobilizar para reduzir esses tributos e não para discutir o que será cobrado do Uber. Já Fernando Latino, representante dos taxistas do ABC, criticou a falta de fiscalização do Uber e disse que a empresa manda suas “vítimas”, os motoristas, para representá-la nas negociações com a Prefeitura. “Depois ela entra na Justiça contra as leis”, afirmou, acrescentando que os ganhos dos motoristas do Uber é um “falso ganho”.
Questões jurídicas – O líder estudantil Lucas Gandolfi, autor da representação contra a lei do vereador Francisco França que proibia o Uber, fez uso da tribuna e defendeu a tese de que o município não tem poder para regulamentar o Uber em Sorocaba. “Essa competência é da União”, afirmou, citando a Constituição e outras leis. “O Uber é um serviço de transporte privado e não público. A natureza jurídica é diferente, não tem como equipará-lo. O Marco Civil da Internet disciplina os aplicativos, como o Uber, que têm que respeitar princípios: livre iniciativa, livre concorrência e defesa do consumidor”, argumentou. Já Irã Borges de Carvalho, do Sindicato dos Taxistas de São Paulo, defendeu posição diametralmente oposta, afirmando que o Uber é que fere a Constituição.
O representante dos usuários, Rafael Schiavi, disse que “se há lobby dos taxistas, mas também há lobby da empresa Uber, no Brasil inteiro” e afirmou que o Uber não respeita a lei em nenhum lugar do mundo. O líder taxista de São Paulo, Alexandre Gabriel Carneiro, também teceu críticas ao Uber, que, segundo ele, “não se importa com a população e com os seus próprios motoristas”. Clodoaldo das Neves, do Movimento de Taxistas Autônomos de São Paulo, também criticou o Uber, dizendo que a situação está insustentável e que a lei precisa ser cumprida. “Não queremos proibir ninguém de trabalhar, apenas queremos regras”, disse. José Silva, presidente da Coopertáxi, disse que o prejuízo que o Uber provoca é incalculável.
Edilson Júnior, da Juventude do PSDB, defendeu que não se pode privar o cidadão do direito de ir e vir pelo fato de um meio de transporte estar atrapalhando outro. Moisés Machado, falando em nome dos usuários, também afirmou que é inconstitucional regulamentar o Uber no âmbito do município. Um estudante disse ter feito um trabalho de conclusão de curso (TCC) e identificou que a cidade do México regulamentou o Uber, dividindo as taxas entre motoristas do Uber e taxistas, o que reduziu custos para ambos.
Ainda durante a audiência, Carlos Eduardo, para demonstrar, segundo ele, “a insegurança do Uber”, disse ter feito, em apenas 15 minutos, um cadastro no Uber usando o nome de um motorista, a foto de outro e a placa do carro de um terceiro e, sem precisar apresentar documento nem atestado de bons antecedentes, seu cadastro foi aceito. O vereador Renan Santos propôs que a comissão repita esse procedimento para ver se procede a denúncia. Outros líderes sindicais dos taxistas estiveram presentes na audiência pública, que também contou com o vereador Pastor Lilo (PMDB), de Votorantim, que também trabalha na sua cidade para regulamentar o Uber.
Relatório final – Ao final dos trabalhos, o vereador Francisco França criticou o Movimento Brasil Livre (MBL) e defendeu a regulamentação do transporte por aplicativo. O vereador Renan Santos propôs que a comissão que estuda o tema se reúna nesta semana, elabore um relatório e o entregue ao secretário da Mobilidade e Acessibilidade. Hudson Pessini disse que a regulamentação é necessária, porque todos têm o direito de trabalhar. Rafael Militão observou que o objetivo maior é buscar o que é melhor para o povo. Péricles Régis, observando que “o sol nasceu para todos”, reiterou que a Câmara irá procurar fazer o melhor para a cidade.
Encerrando a audiência pública, JP Miranda afirmou que a comissão irá elaborar um relatório final que será encaminhado ao secretário da Mobilidade e Acessibilidade. O vereador afirmou, ainda, ter sido difícil estabelecer contato com as empresas de aplicativos: “Tentamos proporcionar a elas um espaço de discussão, mas não conseguimos ter acesso a elas”. JP Miranda salientou que, “quando se fala em mil motoristas é preciso lembrar que são mil famílias” e concluiu que só com diálogo será possível se chegar a um consenso. “Fico muito feliz como esta audiência terminou. Quando chegamos aqui, havia um cenário lamentável, que, felizmente, conseguimos conter e estamos concluindo esse encontro na paz. É assim que se faz uma democracia, uma Sorocaba melhor, com respeito ao próximo, independente da diferença que tenhamos com o outro” – concluiu o presidente da Comissão do Uber e Aplicativos Afins.