Por iniciativa da vereadora Fernanda Garcia (PSOL), a audiência pública contou com palestras de especialistas e militantes feministas, que discorreram sobre o impacto das reformas na vida das mulheres
Em celebração ao Dia da Mulher, comemorado em 8 de março, a Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência foram objeto de debate no plenário da Câmara Municipal de Sorocaba na noite de quinta-feira, 8. Por iniciativa da vereadora Fernanda Garcia (PSOL), e com o tema “Mulheres em Luta Contra a Reforma da Previdência”, a audiência pública contou com palestras de várias militantes feministas, que abordaram o impacto das reformas na vida das mulheres.
Presidida pela vereadora proponente do evento, a mesa dos trabalhos foi composta pelas seguintes autoridades: advogada Helena Mascarenhas Ferraz, integrante da Comissão Infanto-Juvenil da OAB de Sorocaba; Thayná Yaredy, advogada feminista, coordenadora adjunta do Grupo de Estudos de Direitos Humanos do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e mestranda pela Universidade Federal do ABC; a militante do Coletivo Feminista Rosa Lilás, Giovanna Nunes; e a militante do Setorial de Mulheres do PSOL Sorocaba, Maria Enrione. O evento contou com apresentação cultural do Grupo Baque Mulher e a participação de alunos do curso de Assistência Social da Unip (Universidade Paulista).
Para Fernanda Garcia, a Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, que alterou vários dispositivos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), causou “enormes prejuízos para os trabalhadores”. A parlamentar enfatizou, ainda, que a proposta de Reforma da Previdência, que tramita no Congresso Nacional, também acarretará prejuízo para os trabalhadores. “Essas medidas atacam não só os direitos da população, mas especialmente os direitos das mulheres, por isso o ‘Oito de Março’ continua sendo extremamente necessário. Temos muito o que comemorar, mas ainda temos muita luta pela frente”, afirmou a vereadora, destacando, como exemplo, a baixa representatividade das mulheres e a violência contra a mulher.
Desigualdades sociais – Para a militante do Setorial de Mulheres do PSOL sorocabano, professora Maria Enrione, que abriu o quadro de palestras, “a Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência representam um projeto de retirada de direitos que faz parte da história da mulher brasileira”. Para a líder feminista, as desigualdades da sociedade brasileira remontam ao início da colonização, quando as mulheres indígenas e negras eram tratadas como propriedade do homem branco. Também criticou a divisão do trabalho, que confina as mulheres ao emprego doméstico, o que, no seu entender, se estende ao espaço público. Observou que a categoria dos empregados domésticos é constituída por 92% de mulheres, das quais 80% são mulheres pretas e pardas. “Essa categoria só foi reconhecida profissionalmente há apenas três anos”, ressaltou.
“Nós mulheres recebemos 23,5% a menos do que os homens, a despeito de as mulheres terem maior escolaridade” – afirmou Maria Enrione, observando que a mulher negra ganha em torno de 43% menos do que a mulher branca. “Outro dado é que 90% das mulheres entre 16 e 60 anos declaram realizar atividades domésticas, ainda que trabalhem fora de casa, enquanto apenas 50% dos homens declaram realizar as mesmas atividades”, acrescentou, lembrando que, enquanto as mulheres dedicam, em média, 18 horas semanais aos serviços domésticos e ao cuidado de outras pessoas, os homens trabalham dez horas. Enrione também abordou a baixa representatividade das mulheres na política e criticou a Reforma Trabalhista, que, no seu entender, agrava esse quadro em prejuízo das mulheres.
A baixa representatividade das mulheres na política também foi abordada pela militante do Coletivo Feminista Rosa Lilás, Giovanna Nunes, que atribui esse fato ao histórico confinamento das mulheres ao espaço doméstico. “Passamos séculos sendo governadas por homens, que fazem política para homens, sem empatia com a causa da mulher”, afirmou, observando que o feminismo é necessário para reverter esse quadro e que o movimento tem crescido muito nos últimos anos. “Não precisamos só de rosas no Dia da Mulher. Precisamos de políticas públicas”, enfatizou, citando o combate à violência contra a mulher, especialmente as mulheres negras, e defendendo o debate desses temas sociais dentro das escolas. “Nós, mulheres, precisamos ser protagonistas das nossas histórias”, finalizou.
Reforma da Previdência – A advogada feminista Thayná Yaredy, coordenadora adjunta do Grupo de Estudos de Direitos Humanos do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), além de mestranda pela Universidade Federal do ABC, falou sobre a trajetória dos direitos das mulheres no Brasil e disse que, só a partir de 1827, as mulheres puderam ter frequência regular na escola e, só a partir de 1879, puderam frequentar universidade. Lembrou, ainda, que, apenas em 1985, foi instituída a primeira Delegacia da Mulher no Brasil, especificamente em São Paulo. “Só em 1988, com a Constituição, a educação dos filhos e o cuidado com a casa foram imputados também ao homem, não sendo só uma obrigação das mulheres”, enfatizou.
“A legislação previdenciária foi pioneira no sentido de estabelecer uma tentativa de paridade de direitos para as mulheres. Como exemplo, dentro dessa legislação, tivemos o primeiro reconhecimento de pensão por morte para os casos de união estável”, afirmou Thayná Yaredy. Para ela, a Reforma da Previdência vai contra esses direitos e prejudica, sobretudo, as mulheres, uma vez que, no seu entender, estabelece uma “igualdade fictícia entre homens e mulheres”, rompendo com “o princípio da solidariedade social” que alicerça a Previdência e “deixando de levar em consideração o déficit de inclusão da mulher no mercado de trabalho, entre outros déficits históricos que a mulher enfrenta”.
“É um absurdo dizer que a Previdência está quebrada, porque não está, esse é um factoide que foi inventado num módulo de pós-verdade para ludibriar a população. Essa Reforma da Previdência serve, principalmente, para abrir um mercado dentro do capital, ou seja, serve para possibilitar aos bancos abrir uma nova frente de lucro”, afirmou Thayná Yaredy. “Uma das maiores demandas das mulheres, para além da violência, é a Previdência”, enfatizou a palestrante, com base na sua vivência de advogada militante de núcleos de defesa das mulheres. No seu entender, quando a mulher perde o benefício da Previdência, ou quando esse benefício “é magicamente suspenso pelo sistema”, a vida se torna mais degradante e há uma sobreposição de violência que afeta, sobretudo, as mulheres.
Reforma Trabalhista – A advogada Helena Mascarenhas Ferraz, integrante da Comissão Infanto-Juvenil da OAB Sorocaba, lembrou as raízes históricas do Dia 8 de Março, que surgiu das lutas das mulheres trabalhadores, e fez uma compilação da recente Reforma Trabalhista, enfatizando os pontos que, segundo ela, prejudicaram, sobretudo, as mulheres, como a possibilidade do trabalho da gestante em ambiente insalubre. “Em tese, o trabalho da gestante será voluntário nesse tipo de ambiente, mas até que ponto é voluntário mesmo ou se deve ao medo da demissão?”, questionou. A advogada também argumentou que a livre negociação entre patrões e empregados, estabelecida pela Reforma Trabalhista, não ocorrerá entre forças iguais, uma vez que o trabalhador se encontra em situação de fragilidade, sobretudo, devido ao desemprego.
Helena Mascarenhas também avaliou a questão do trabalho intermitente, previsto pela Reforma Trabalhista, que isenta o empresário de responsabilidade em relação ao trabalhador. “Se o trabalhador não atingir o salário mínimo necessário para o recolhimento da contribuição previdência pelo trabalho intermitente, ele terá que recolher, por conta própria, essa diferença, pois, se sofrer um acidente de trabalho, não estará coberto”, enfatizou. A palestrante criticou a ampliação da terceirização, inclusive da atividade-fim das empresas, que antes não era permitida. “Em cada dez acidentes de trabalho, oito são com funcionários terceirizados. Com a terceirização irrestrita, isso tende a se agravar”, disse, acrescentando que a terceirização prejudica também as pessoas com deficiência, pois as empresas, ao terceirizar seus diversos setores, deixam de ter o número mínimo de 100 funcionários que torna obrigatória a cota para pessoas com deficiência.
A advogada observou também que, com a Reforma Trabalhista, a rescisão do contrato de trabalho não precisa mais ser homologada pelo sindicato da categoria, cabendo às partes constituir seu próprio advogado, inclusive o trabalhador. “A empresa levará o advogado dela, mas e o trabalhador, com que dinheiro ele vai constituir advogado?”, questionou, alertando, ainda, que, com a reforma, o trabalhador corre o risco de ter de pagar as custas processuais. Para Helena Mascarenhas, a reforma torna precária a relação de trabalho, afetando sobretudo as mulheres, com impactos sociais em diversas outras áreas, como a educação, por exemplo. “Precisamos fazer pressão no Judiciário para que ele se posicione sobre isso. Muitos dispositivos da Reforma Trabalhista são inconstitucionais”, afirmou.
Participação do público – O público presente também fez uso da palavra. Ana Miragaia, da Coordenadoria da Mulher da Secretaria de Igualdade e Assistência Social, explicou o trabalho da pasta em relação às mulheres que recebem medidas protetivas, que passam por um acompanhamento psicológico e social. “No ano passado, tivemos 4.892 atendimentos no Centro de Referência da Mulher, incluindo os retornos, porque fazemos o acompanhamento dessas mulheres até que elas estejam mais fortalecidas. Essa rede está funcionando, junto com o Judiciário, a Defensoria Pública e a Casa Abrigo, mas também precisamos desenvolver outras redes de atendimento à mulher, nas áreas do trabalho, educação e saúde”, enfatizou.
A advogada Emanuela Barros, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, afirmou que, no Congresso Nacional, há mais de 300 projetos que significam um retrocesso no direito das mulheres. Gabriela Pereira, do Projeto Amparo, falou sobre a mulher com deficiência e também das mulheres que cuidam de pessoas com deficiência, enfatizando que as reformas não levam em conta as necessidades dessas mulheres. Amanda Lima, professora de Educação Infantil, disse que uma professora desse nível de ensino tem de trabalhar em torno de 50 horas por semana para ter um salário minimamente digno, sem contar que, segundo ela, as escolas estão em situação precária e, muitas vezes, o professor tira do próprio bolso para suprir essas carências.
Claudia Marchetti, professora de Direito Tributário da Esamc, fez um paralelo entre a atual sociedade patriarcal e as sociedades matriarcais do passado, que, segundo ela, eram mais igualitárias, e enfatizou a importância da educação para conscientizar as mulheres de seus direitos. Maria José Gonçalves de Sousa, da Sociedade Amigos de Bairro do Parque São Bento, lembrou o trabalho e a luta de todas as mulheres do passado e afirmou que “os espinhos cravados na pele no dia a dia não vão ser arrancados por uma rosa no Dia Internacional da Mulher”. Maria Tereza, da Unegro, disse que é preciso pensar no que fazer no dia seguinte ao “Oito de Março”: “A cultura do Oito de Março é uma cultura silenciadora, porque a gente tem voz em março, mas, no resto do ano, a sociedade continua nos silenciando” – afirmou.
Renata Marques, do Setorial de Mulheres do PT, falou sobre a baixa representatividade das mulheres na política, observando que o Fundo Partidário é destinado, em sua maior parte, para os homens, bem como as doações de campanha. Sandy Domingues, representando o PSOL de Votorantim, falou dos problemas que as mulheres enfrentam em sua cidade.
Dois homens presentes à audiência pública também fizeram uso da palavra. Ítalo Rozendo, do Novo Comando Estudantil, criticou a mercantilização das comemorações do Oito de Março e defendeu que as mulheres trabalhadoras exerçam o poder político para alterar a estrutura social. Já Gustavo Souza questionou a implantação do “Botão do Pânico” no novo aplicativo da Urbes, que, segundo ele, “é uma enganação”, pois a mulher que tem um celular dispõe também do 190, que é o telefone da polícia. A vereadora Fernanda Garcia explicou o que é e qual a finalidade do “Botão do Pânico” e informou que, por meio de requerimento, questionou a Prefeitura sobre o efetivo da Guarda Civil Municipal e da Polícia Militar para atender os chamados do sistema.
Também estiveram presentes na audiência pública, na mesa estendida, entre outras, as seguintes pessoas: a defensora pública Elaine Ruas; a presidente da Ação Mulher Trabalhista, Cris Almeida; Carine Barros de Melo; Luciana Leme dos Santos, do Coletivo Carolina de Jesus; Roselene Silva, da Associação Amigos de Bairro da Vila Helena; a advogada Daniela Cole, da OAB de São Paulo; e Alda Franco, representando o deputado estadual Raul Marcelo (PSOL). A vereadora Fernanda Garcia também fez questão de ressaltar e parabenizar, como exemplo de participação, a presença de uma senhora de 81 anos, Dona Maria, moradora da Vila Helena. A audiência pública foi transmitida ao vivo pela TV Câmara (Canal 31.3, digital e aberto; Canal 6 da NET; e Canal 9 da Vivo).