15/06/2018 11h47

A iniciativa foi da vereadora Fernanda Garcia (PSOL) e contou com a participação de diversos representantes da comunidade negra de Sorocaba e região

 

Com o objetivo de debater as políticas públicas de saúde voltadas para a população negra, a Câmara Municipal de Sorocaba – por iniciativa da vereadora Fernanda Garcia (PSOL) – realizou audiência pública na noite de quinta-feira, 14, com a participação de vários representantes da comunidade negra de Sorocaba e região. Presidida pela vereadora, a mesa dos trabalhos contou com a presença das seguintes autoridades: vereadora Iara Bernardi (PT); José Marcos de Oliveira, presidente do Conselho de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra; professor Luiz Eduardo Batista, sociólogo e pesquisador do Instituto de Saúde da Secretaria Estadual de Saúde; a advogada Cristiane Anizeti, integrante do Coletivo de Negros e Negras Raízes da Liberdade; Ana Paula Diegues, supervisora de saúde da Área Oeste; e Milton Sanches, do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde e novo presidente do Conselho Municipal de Saúde.

 

Fernanda Garcia (PSOL) enfatizou que o racismo interfere em todas as áreas, inclusive na saúde, tanto do ponto de vista institucional quanto nas relações interpessoais, além do racismo do ponto de vista pessoal, que é o “racismo interiorizado, quando a pessoa que sofre o racismo, acha isso natural”. A advogada Cristiane Anizeti também afirmou que a sociedade brasileira é “constituída pela lógica do racismo” e enfatizou que todas as formas de discriminação “têm uma mesma essência, que é desumanizar as pessoas”. A palestrante discorreu, ainda, sobre o machismo e o racismo das antigas leis coloniais, especialmente as Ordenações Filipinas, e lembrou que, até recentemente, no Código Penal ainda previa a legítima defesa da honra para justificar os crimes contra a mulher.

 

Saúde dos negros – O professor e sociólogo Luiz Eduardo Batista lembrou que o sistema de saúde no Brasil, na década de 30, restringia-se a grupos populacionais, como os ferroviários em Sorocaba, que dispunham de instituto de previdência próprio. “Quem não estava no mercado de trabalho e não tinha carteira assinada era atendido pelas Santas Casas de Misericórdia”, observou. A partir da década de 70, partindo do pressuposto de que a saúde também depende das condições sociais, começou-se a discutir um sistema universal de saúde, que atendesse todas as pessoas, resultando na instituição do Sistema Único de Saúde (SUS), previsto na Constituição de 88.

 

O sociólogo também discorreu sobre a importância da inclusão do quesito cor nos dados do SUS, que permitiu mostrar as maiores dificuldades encontradas pelos negros no sistema de saúde, especialmente as mulheres negras. Como exemplo, citou a proporção de negros nos hospitais psiquiátricos, em estudo de 2008 com base no Censo de 2000: 70,7% da população do Estado era constituída de brancos, que representavam 60,29% dos internos dos hospitais psiquiátricos; 22,8% eram pardos, que constituíam 22% dos internos; enquanto 4,4% eram pretos, mas constituíam 16,36% dos internos em hospitais psiquiátricos.

 

Segundo Luiz Eduardo Batista, fatos como esses levaram à criação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, instituída pela Portaria nº 992, de 13 de maio de 2009, que visa garantir a equidade e a efetivação do direito à saúde de negras e negros. O sociólogo também discorreu sobre os gargalos que a implantação dessa política ainda enfrenta, tanto que só foi implantada até agora em cerca de 70 municípios em todo o país, 27 dos quais em São Paulo. A falta de dados sobre raça, a escassez de recursos financeiros e a ausência de articulação intersetorial estão entre os pontos de estrangulamento que dificultam a adoção da referida política de saúde para a população negra.

 

“Alguns retrocessos” – José Marcos de Oliveira, do Conselho da Comunidade Negra, disse que, em termos de discussão de políticas públicas de saúde para os negros, Sorocaba pode se considerar de vanguarda, mas vive alguns retrocessos, pois, segundo ele, a própria estrutura de governo do município desconhece a existência de uma política de atenção integral à saúde da população negra. “Quando a comunidade negra propõe esse debate, ele não pode, de forma alguma, ser considerado privilégio, ‘mimimi’, como uma forma de criar segregação. Precisa ser respeitado”, afirmou.

 

A vereadora Iara Bernardi (PT) disse que é preciso cobrar o levantamento de dados sobre a população negra na rede de saúde, para que as queixas feitas pelas mulheres negras, por exemplo, quanto ao atendimento que recebem na rede de saúde, possam se materializar em dados e contribuir para sensibilizar a sociedade para o problema. “Existem muitas cobranças na área de saúde em Sorocaba e essa será mais uma delas”, afirmou. Ana Paula Diegues, supervisora de saúde da Área Oeste, e Milton Sanches, que irá assumir a presidência do Conselho Municipal de Saúde, também se pronunciaram, assim como muitos integrantes do público presente à audiência.

 

Também participaram da audiência pública, entre outros: Joana D’Arc, da Coordenadoria de Igualdade Racial; o ex-vereador Izídio de Brito (PT); o ex-deputado estadual Hamilton Pereira; Eduardo Vieira, presidente do Sindicato dos Médicos de Sorocaba; Viviane Moreno Lopes, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB; Drica Martins, presidente do Céu das Artes; Jorge Santana, coordenador geral da Unegro, representando também o vereador Renan Santos (PCdoB); Cleide Aguiar, do Instituto Plenu de Cidadania e do Conselho da Mulher; Elaine Machado, do Conselho Regional de Psicologia; Kris Almeida Mansinho, presidente da Ação Mulher Trabalhista do PDT; Jair Vieira, do Cursinho Pré-Vestibular Popular Nelson Mandela do Bairro Vitória Régia; o escritor Abner Laurindo; Cátia Campos, do Clube 28 de Setembro; Manoel Filho, do Coletivo Mobile Cultural; Helena Ferraz, do Coletivo Feminista Rosa Lilás; Alda Franco, assessora do deputado estadual Raul Marcelo (PSOL); e representantes do Projeto Haitianos no Brasil e da Comunidade Haitiana.

 

A audiência pública foi transmitida ao vivo pela TV Câmara (Canal 31.3; Canal 6; e Canal 9 da Vivo) e pode ser vista na íntegra no portal do Legislativo, nos seguintes endereços eletrônicos: https://goo.gl/CWQQS3 (Parte 1) https://goo.gl/Z1yLHz (Parte 2).