“É melhor ver esta criançada trabalhando do que vadiando na rua”, “Tem que trabalhar mesmo”, “Trabalhar não faz mal para ninguém”, “ Eu mesmo trabalhei desde cedo e não morri”. No Brasil relatos como os citados acima são muito comuns quando se trata de comentar sobre a realidade de crianças e adolescentes carentes do país. Segundo dados de 2016 da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD/IBGE), 2.516 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos são explorados pelo trabalho infantil.
“O que as pessoas não percebem é que esta cultura do trabalho infantil causa uma tríplice exclusão do cidadão. Na infância, porque a criança perde a oportunidade de brincar, estudar e aprender. Na idade adulta, porque ocasiona uma baixa empregabilidade por falta de qualificação profissional. E na velhice, pela falta de condições dignas de sobrevivência a que esse cidadão terá que se submeter”, é o que explica o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, João Batista Martins César, salientando ainda o ciclo da pobreza que esta criança estará inserida. “O sujeito é pobre, porque assim também é seu pai. Sendo pobre, a necessidade o impele precocemente ao trabalho e esse trabalho precoce prejudica o rendimento escolar, quando não provoca o abandono do estudo. Sem educação, a pessoa é desqualificada profissionalmente e despreparada intelectualmente e a sorte do trabalhador despreparado é o desemprego, subemprego ou ainda o emprego mal remunerado. Fechando este ciclo, com modestos rendimentos do subemprego, ou sem nenhum do desemprego, o pobre dá a seu filho, como única herança, a pobreza", explica o desembargador, citando palavras do livro “O Princípio da Proteção Integral e o Trabalho da Criança e do Adolescente no Brasil”, de autoria de José Roberto Dantas Oliva.
Uma das principais medidas para combater o trabalho infantil é a Lei Federal 10.097/2000, mais conhecida como “Lei da Aprendizagem”, que afirma que empresas de médio e grande porte devem contratar jovens com idade entre 14 e 24 anos como aprendizes. Neste caso o jovem é capacitado em uma instituição formadora (como o Senai, CIEE, Guarda Mirim, entre outras) e na empresa, combinando formação teórica e prática, compatível com desenvolvimento físico, moral e psicológico do cidadão menor de 18 anos. Em Sorocaba, interior de São Paulo, uma outra Lei foi criada com o objetivo de ajudar o Ministério do Trabalho a fiscalizar as empresas que não cumprem esta legislação tão importante. A Lei nº11.730/18, de 8 de junho de 2018, de autoria do vereador Péricles Régis (MDB), obriga as empresas que desejam contratar com a Prefeitura Municipal de Sorocaba a comprovar o cumprimento do Decreto nº 5.598 de 1º de dezembro de 2005 que regulamenta a contratação de aprendizes. “O nosso objetivo com a criação desta Lei é ajudar a fiscalizar as empresas que possuem mais de 100 funcionários para que cumpram a legislação. Queremos criar muitos postos de trabalho para aprendizes não só em Sorocaba, mas no Brasil todo. O ideal seria que todas essas crianças tivessem escola em tempo integral e não precisassem sair na rua para ganhar dinheiro. Mas, já que a realidade do nosso país é outra, queremos que os jovens tenham uma oportunidade de inclusão social com o primeiro emprego e de desenvolver suas habilidades se qualificando. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar o direito à vida, saúde, alimentação e também profissionalização”, explica o vereador que já teve sua lei copiada em outros municípios paulistas como Itu, aonde a Lei já foi aprovada e em Osasco aonde a matéria está pendente de votação.
Antes estatística, hoje aprendiz do Senai, Hector Santos, de 16 anos, aluno do curso de “construção de edificações” na unidade da Avenida Itavuvu, zona norte da cidade, a oportunidade de estudo e capacitação oferecida por uma construtora da cidade mudou o rumo da sua vida. “Eu via meus amigos comprando coisas, roupas de marca e daí eu comecei a trabalhar para comprar minhas coisas também. Tinha 15 anos. Vendia balas no semáforo por dois reais cada. Saia de casa às 8h da manhã e ficava até às 18h vendendo. Fazia entre R$ 50 e R$ 60 por dia”, explica o garoto. “Eu estudava também, não ia muito bem na escola. Até que um dia minha tia me falou da aprendizagem. Minha mãe veio no Senai, me inscreveu e eu fiz a prova e passei. Eu já queria parar de vender bala, queria fazer outra coisa, porque eu sei que é errado. Eu estava correndo risco e a polícia também vinha e tomava as minhas coisas. Foi aí que eu passei na prova e fiquei feliz, acho que meu currículo agora vai ficar melhor, porque eu tenho o curso”, finalizou o jovem tímido, com os olhos assustados que hoje usam EPIs nas aulas diárias do curso técnico.
Para a mãe de Hector, Tatiane Jesus, a vaga de aprendiz para o filho veio em boa hora. “Eu já tinha feito bastante cadastro dele em vários lugares. Já tinha entregue os currículos e não conseguia nada. É muito difícil conseguir uma vaga de aprendiz, mas ele desde pequeno sempre teve vontade de trabalhar e de ganhar o dinheirinho dele. Eu fiquei meio apreensiva quando ele disse que ia vender bala na rua mas depois aceitei, porque no bairro aonde a gente mora é muito difícil. A gente vê muitas coisas. Aí optei por deixar ele ir porque ele queria o dinheiro e eu desempregada não estava em condições de dar uma roupa de marca, um tênis de marca. Uma vez ele quase foi atropelado por uma moto e foi aí que comecei a conversar bastante com ele. O pessoal do Senai ajudou muito, o pessoal da Pastoral do Menor aqui do bairro conversou com ele para que ele parasse de ir trabalhar na rua. Eu já havia feito o cadastro dele no Senai e deu certo deles chamarem. Hoje ele é contratado e além de fazer o curso, ganha o salário. Estamos muito orgulhosos e felizes”, explicou a mãe, que tem ainda outros três filhos. “Tenho uma menina que está completando 14 anos. Também quero conseguir uma vaga para ela. O Hector é um exemplo hoje. Ele está muito mais focado e muito mais responsável na escola, melhorou muito. O empregador não sabe o bem que ele está fazendo na vida do jovem que ele contrata. Ele abre portas. É muito importante essa oportunidade para o jovem crescer e progredir. Eu já imagino o Hector contratado em uma empresa muito boa no futuro, tendo o seu salário bom e um carrinho. Quero ver ele progredindo na vida”, finalizou a mãe com um sorriso no rosto.
Segundo dados do Ministério do Trabalho cerca de 124 mil jovens foram contratados como aprendizes no Brasil no primeiro trimestre de 2018. Dos 124.730 novos aprendizes, 36.186 foram admitidos em São Paulo, Estado com maior número de contratações, seguido por Santa Catarina (12.641) e Minas Gerais (11.446). A indústria da transformação e o comércio foram os setores que mais contrataram jovens, com 41.098 e 27.556 contratações, respectivamente.
Segundo informações obtidas junto à Gerência Regional do Ministério do Trabalho em Sorocaba por meio gerente regional do Trabalho, Rodolfo Pimenta Casagrande, existem hoje em Sorocaba aproximadamente 4.670 vagas de aprendizagem disponíveis nos estabelecimentos da cidade. Dessas, 2.915 estão preenchidas e a fiscalização do trabalho tem atuado incansavelmente por meio dos Auditores Fiscais da regional com o objetivo da implementação total dessas vagas por meio, principalmente, da conscientização dos responsáveis. A intenção é que cada vez mais os estabelecimentos ofereçam esta oportunidade para os jovens da cidade. “Existe hoje em Sorocaba uma rede que luta pelo cumprimento da Lei da Aprendizagem e uma nova realidade no município. Esperamos que este trabalho fortaleça cada vez mais nossa sociedade em busca de oportunidades e garantias fundamentais aos nossos jovens", finaliza Rodolfo.
Recentemente foi assinado o primeiro Termo de Compromisso para o cumprimento da cota de aprendizagem na modalidade social (cumprimento alternativo da cota) em Sorocaba. A Câmara Municipal da cidade, juntamente com a sede da AGU (Advocacia Geral da União), serão as primeiras entidades concedentes das vagas para estes aprendizes em situação de alta vulnerabilidade social que serão indicados exclusivamente pela Vara da Infância e Juventude.
(Assessoria de imprensa – vereador Péricles Régis – MDB)