Presidido pelo vereador Anselmo Neto (PSDB), o evento contou com palestras da psiquiatra Giulietta Cucchiaro, que analisou a obra de Judith Butler, e do médico pediatra José Martins Filho, que discorreu sobre o desenvolvimento cerebral da criança
Com o objetivo de conscientizar a população sobre a importância dos cuidados com a criança, inclusive quanto ao seu bem-estar mental, foi realizado na noite de segunda-feira, 5, no plenário da Câmara Municipal de Sorocaba, o I Fórum de Saúde Mental na Infância, promovido pela Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família, presidida pelo vereador Anselmo Neto (PSDB) e formada pelos vereadores Pastor Apolo (PSB), Luis Santos (Pros) e Hélio Brasileiro (MDB), sendo que os dois últimos não puderam comparecer. A mesa dos trabalhos foi composta, também, pelos palestrantes do evento: a psiquiatra infantil Giulietta Cucchiaro, doutora em Medicina pela Universidade de Heidelberg, na Alemanha, e o pediatra José Martins Filho, professor emérito de Pediatria da Unicamp, da qual foi reitor, e ex-presidente da Academia Brasileira de Pediatria. O padre Arari dos Santos Amorim, conhecido como Padre Kojac, e o padre João Alfredo também compuseram a mesa.
José Martins Filho explicou a importância dos primeiros mil dias da criança, que compreendem as 40 semanas de gestação e os dois primeiros anos de vida. “É nesse período que a divisão celular, a produção de novos neurônios, se dá numa velocidade inacreditável. Tudo o que acontece com uma criança nesses primeiros mil dias e, depois, até por volta dos seis anos de idade, é fundamental para o resto da existência”, afirmou o pediatra, que é autor de 19 livros que tratam do assunto. “Conheci pessoalmente o escritor José Saramago, nosso Prêmio Nobel de Literatura, e ele me disse algo que me marcou: ‘O homem que eu sou é por causa da criança que eu fui’”, contou, ressaltando que o aprendizado da criança começa no útero materno. O pediatra apresentou vídeos sobre o desenvolvimento na primeira infância, desenvolvidos por um grupo de neurocientistas da Universidade de Harvard e que têm sido utilizados nas aulas de pediatria da USP e da Unicamp.
“Poda neurológica” – “O cérebro humano tende a dar valor e aumentar a área cerebral e os neurônios que são estimulados. E quando não são usados, ocorre o que chamamos de poda neurológica”, enfatizou José Martins Filho. “Se uma criança fica o tempo todo num lugar muito escuro, sem luz nenhuma, corre o risco de ficar cega, porque não usa esses neurônios. Se é colocada numa sala fechada, sem som algum, pode ficar surda, pois não vai usar os neurônios da audição. Por isso é fundamental estimular a criança, para marcar esses neurônios, desenvolver o seu cérebro; isso tem importância para o resto da vida”, afirmou, lembrando que o bebê humano é o mais dependente de cuidados dos pais. Todavia, segundo o pediatra espanhol Carlos Gonzáles, colega do palestrante, “a atual geração é a que menos tempo passa nos braços de sua mãe”.
“Eu me assusto muito quando ouço uma pessoa pública dizer: ‘Pai e mãe não são importantes. A criança não é da família, é do Estado’. Isso é um absurdo. A família é fundamental para o desenvolvimento da criança”, enfatizou José Martins Filho. Autor do livro A Criança Terceirizada, que trata dos “descaminhos das relações familiares no mundo contemporâneo”, o pediatra definiu a criança saudável como aquela que nasceu de parto normal (que aumenta a imunidade da criança), foi amamentada exclusivamente por no mínimo seis meses e até dois anos com complementação e, ainda, que brinca, faz exercícios e toma sol, além de ser bem vacinada e receber carinho. “Hoje vivemos num mundo complexo. Às vezes, brinco que vejo criança com oito avós. Porque o pai casou duas vezes, a mãe mais duas. Nada contra, mas as crianças sofrem e isso precisa ser trabalhado”, observou.
O médico também falou sobre o “estresse tóxico” na primeira infância, que pode levar a lesões cerebrais, comprometendo o desenvolvimento cerebral da criança, que pode levá-la ao atraso escolar e à agressividade. Defendeu que a escola deve ensinar intelectualmente, mas que a formação moral e afetiva da criança não pode ser terceirizada e deve ficar a cargo da família. Disse que a criança precisa brincar na natureza, em parques, por exemplo, e conviver com animais. E defendeu o aumento da licença-maternidade, que, no seu entender, fica mais barato para o Estado do que colocar a criança em creche.
Identidade de gênero – A psiquiatra infantil Giulietta Cucchiaro falou sobre o desenvolvimento social saudável e a identidade de gênero na criança e observou que, ao nascer, a criança ainda não tem noção de separação da mãe e que isso acontece aos poucos, gerando uma dicotomia entre a sensação de desemparo e a necessidade de pertencimento. “Ao mesmo tempo que a família dá carinho, amor, tem que dizer não, colocar limites e mostrar os perigos do mundo, porque a criança vai precisar desenvolver a tolerância à frustração”, afirmou. Em seguida discorreu sobre a identidade de gênero, com base no psicólogo norte-americano Lawrence Kohlberg (1927-1987), que dividia a identidade de gênero em três fases: identidade básica, até os três anos; estabilidade, até os cinco anos; e constância de gênero, de cinco a seis anos. Também discorreu sobre a visão de Simone de Beauvoir e Judith Butler sobre a questão.
“Antes mesmo de as crianças, por volta dos três anos, começarem a entender que há dois grupos distintos, homens e mulheres, já há estilos diferentes no modo de brincar, algo que acontece muito precocemente. Também ocorre uma autossegregação espontânea. Se colocarmos muitas crianças juntas, a maior parte do tempo, não todo tempo, os meninos vão brincar com meninos e as meninas com meninas. Além disso, os meninos acabam descobrindo, instintivamente, que disputar um brinquedo é legal, é também uma brincadeira. Os jogos de colisão, por exemplo, ocorrem muito mais entre meninos. E antes de as crianças saberem se são meninos ou meninas, elas já escolhem brinquedos mais condizente com seu sexo biológico. Há pesquisas que mostram que crianças de um ano, ou até mais novas, já tendem a escolher brinquedos com rosto humano, como bonecas, se forem meninas, e brinquedos ligados a transporte e montagem, se forem meninos”, afirmou.
Subversão da identidade – Giulietta Cucchiaro observou que falar sobre gênero, implica em uma série de possíveis questões, como: discutir os papéis tradicionais do homem e da mulher na sociedade e suas possíveis transformações; promover a aceitação da diversidade sexual; combater o preconceito contra minorias; e, por fim, subverter a identidade de gênero na infância, que, segundo ela, é a proposta central da ideologia de gênero. “O livro da Judith Butler se chama Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. Ele não se chama ‘Feminismo e Inclusão da Diversidade’ ou ‘Feminismo e Combate ao Preconceito’. Qual é contribuição específica de Judith Butler? É a proposta de subversão de identidade”, afirmou. E disse que a grande maioria das crianças se sente pertencendo naturalmente ao sexo masculino ou ao sexo feminino, mesmo quem é homossexual. “É uma quantidade pequena que apresenta disforia de gênero, ou seja, que não se adequa ao seu corpo biológico”, explicou.
A palestrante fez questão de citar textualmente Judith Butler que, em seu livro Problemas de Gênero, afirma: “Concluí que problemas são inevitáveis e nossa incumbência é descobrir a melhor forma de criá-los, a melhor maneira de tê-los”. Giulietta Cucchiaro enfatiza: “Judith Butler convoca o feminismo para uma nova tarefa. A tarefa do feminismo, agora, não é elevar as mulheres, não é nem procurar uma revanche, para que as mulheres sejam melhores do que os homens. A proposta é atacar a existência do masculino e do feminino, que é a base da vida. Judith Butler defende que ‘o gênero não deve ser construído como uma identidade estável’; e afirma que ‘o gênero é uma identidade tenuamente constituída no tempo’. Também diz que ‘a perda das normas do gênero teria o efeito de fazer proliferar as configurações de gênero, desestabilizar as identidades substantivas e despojar as narrativas naturalizantes da heterossexualidade compulsória de seus protagonistas centrais, os ‘homens’ e ‘mulheres’.”.
Autoevidência do corpo – A doutora em psiquiatria infantil observou que Judith Butler encerra seu livro com um convite para que se fomentem estratégias visando à desnaturalização de gênero, isto é, ao fim do masculino e do feminino. Também lembrou que, em 1999, a revista acadêmica Philosophy and Literature concedeu a Butler o primeiro lugar na sua seleção anual dos “piores escritores”, definidos como os responsáveis pelas passagens “estilisticamente mais lastimáveis em livros e artigos acadêmicos”.
Giulietta Cucchiaro também apresentou reportagens do Reino Unido mostrando que a adoção da ideologia de gênero eleva substancialmente os conflitos psicológicos em crianças em índices que variam de 500 a 1.000%. “Em medicina a gente tem o princípio da prevenção primária de doenças. São medidas que buscam atingir a população para promover a saúde. Dá a impressão de que a ideologia de gênero se constitui de medidas para atingir a população de crianças no sentido de promover doenças, problemas. O que aconteceria se aplicarmos em outras áreas o princípio da ‘construção variável da identidade’? A criança ficaria feliz em estudar seis meses numa escola, seis meses em outra? Criança precisa de um ambiente acolhedor e estável, com estímulos saudáveis. Não é uma demanda natural a criança viver essa construção variável de identidade”, enfatizou.
Após afirmar que “a ideologia de gênero tem como proposta central subverter a identidade de gênero propondo uma construção variável da mesma”, a psiquiatra infantil Giulietta Cucchiaro concluiu: “Considerando-se que 80% do desenvolvimento do cérebro após o nascimento se dá até os 4 anos de idade e uma vez que nessa fase do desenvolvimento cognitivo a criança não tem condições de lidar facilmente com contradições do pensamento, instituir práticas artificiais que interfiram no seu desenvolvimento nessa fase teria o efeito de causar problemas psíquicos nas crianças”. Para ela, “negar à criança a autoevidência de seu próprio corpo, impondo-lhe a vivência de uma multiplicidade de identidades de gênero é perturbador e traumático”.
O evento, que contou com a presença de vários representantes dos Cras e de paróquias da cidade, que puderam fazer questionamentos aos palestrantes, foi transmitido ao vivo pela TV Câmara (Canal 31.3; Canal 6 da NET e Canal 9 da Vivo) e pode ser visto na íntegra pelo portal da Casa, através do seguinte endereço eletrônico: Vídeos com fórum na íntegra: https://youtu.be/hRHnnWW8paw (Parte 1) e https://youtu.be/6EQUQ2BWpXI (Parte 2)