21/10/2019 18h33

A iniciativa do evento, que contou com entidades e mestres de capoeira, foi da vereadora Fernanda Garcia (PSOL)

 

Com o tema “O Histórico da Capoeira: Das Crianças ao Mestre Moa de Catendê”, a Câmara Municipal de Sorocaba realizou audiência pública na tarde de sábado, 19, por iniciativa da vereadora Fernanda Garcia (Psol). Além da vereadora, a mesa dos trabalhos foi composta pelas seguintes autoridades: Marli Aparecida Pedroso, capoeirista e agricultora; historiador Carlos Carvalho Cavalheiro; Manoel Francisco Filho, escritor, pedagogo da rede pública municipal e diretor do CEI-79, no Jardim Botucatu; e do presidente da Associação Sorocabana de Capoeira, mestre Jaime Balbino da Silva.

 

Também estiveram presentes: José Marcos de Oliveira, presidente do Conselho da Comunidade Negra; educador social da GCM, Anderson; Murilo Marcelo, da Uniso; Valdir Zanella e Daniel Cunha, da Associação de Capoeira Ginástica Nacional; Luiz Henrique Souza, do Grupo de Capoeira de Angola Bem Brasil; Mestre Lucas, do Cordão de Ouro; Joel Vicente, da Associação Capoeira Capoarte do Rio de Janeiro; Renata Ferraz, do Afoxé; mestres Biro, Pedrinho e Jeová e contramestre João Paulo. Na abertura do evento, o Hino Nacional Brasileiro foi cantado ao som de berimbaus.

 

“Resistência e Arte” – “A capoeira é resistência, é luta, mas é também arte, dança, música, jogo, brincadeira e ensinamento da cultura através da oralidade, e foi produzida no chão de nosso país”, afirmou Fernanda Garcia na abertura dos trabalhos. “Ao lembrarmos o mestre Moa do Catendê, queremos refletir sobre como se deu o assassinato dele em 8 de outubro do ano passado, em Salvador, no âmbito da intolerância política, da intolerância religiosa e de todas as formas de intolerância”, acrescentou a vereadora, lembrando que a capoeira foi reconhecida, em 2008, como um Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil e, em 2014, também foi reconhecida pela Unesco.

 

Marli Pedroso, que treina num grupo em São Paulo, fundado pelo mestre Moa do Catendê, enfatizou a importância de conviver com os mestres (que, em algumas culturas africanas, são chamados de “griôs”), e discorreu sobre o seu contato com o Moa, que, nos anos 70, foi compositor, percussionista, bailarino, educador e capoeirista. Em 1977, compôs a música do afoxé Filhos de Gandhi, que ganhou o carnaval daquele ano em Salvador e fundou o afoxé Badauê, também vencedor do carnaval durante quatro anos. “Mestre Moa tinha um dom para ensinar, era muito generoso e descontraído”, contou Marli Pedroso, observando que Moa do Catendê espalhou multiplicadores das tradições negras pelo país, além de ter músicas no repertório de Caetano Veloso e Moraes Moreira, entre outros astros da MPB.

 

Capoeira em Sorocaba – Recorrendo ao pesquisador Paulo Coelho de Araújo, autor do livro Abordagens Sócio-Antropológicas da Luta/Jogo Capoeira, resultado de uma tese de doutorado e publicado em Portugal em 1997, o historiador Carlos Carvalho Cavalheiro mostrou que Sorocaba, já no século XIX, era um importante centro de capoeira no Brasil. Segundo Cavalheiro, Sorocaba também aparece como um importante centro de capoeira no texto de um grupo de capoeira da cidade de Columbus, capital do Estado de Ohio, nos Estados Unidos, que registra variantes da capoeira, nos anos 1800, nas seguintes cidades: Salvador, Recife, São Luís e Sorocaba.

 

“Sorocaba foi provavelmente a primeira cidade do interior do país a produzir uma legislação repressiva à capoeira”, afirmou Carlos Cavalheiro, com base no livro Capoeiras e Valentões na História de São Paulo, de Pedro Figueiredo Alves da Cunha. “É muito significativo que, hoje, a mesma Casa de Leis que proibiu a capoeira, faça essa reverência à capoeira, pedindo aos mestres que cantem no plenário o Hino Nacional Brasileiro ao ritmo do berimbau”, destacou o historiador, observando que esses dados mostram o valor da capoeira na história de Sorocaba.

 

Associação de capoeira – Jaime Balbino da Silva enumerou os grupos que integram a Associação Sorocabana de Capoeira e relatou a trajetória da entidade, criada em 2001, durante a gestão do então prefeito Renato Amary, com o objetivo de ensinar capoeira nas escolas. “A capoeira é uma ferramenta de educação, sem imposição, pela qual nós nos educamos, através dos saberes dos mais velhos, dos mestres, e isso, dentro da escola, tem uma importância muito grande, pois, dessa forma, ensinamos os mais jovens a respeitar os griôs, os ensinamentos transmitidos, oralmente, através das rodas”, argumentou, acrescentando que uma das missões da associação é preparar os educadores que vão ministrar capoeira nas escolas.

 

O professor Manoel Francisco Filho enfatizou que a capoeira muito contribui para o processo pedagógico dentro da unidade escolar. “As crianças desenvolvem a disciplina e o respeito pelos companheiros através da capoeira”, enfatizou. O professor e escritor, após ler um poema de sua lavra sobre a capoeira, discorreu sobre as organizações negras no país, observando que a capoeira começou a ser vista como um patrimônio da cultura brasileira no governo de Getúlio Vargas. “A cultura negra, dentro dos currículos escolares, segue com sua luta por respeito e por reconhecimento”, enfatizou, defendendo a atuação do poder público no sentido de valorizar a capoeira.

 

Estética negra – Manoel Francisco Filho enfatizou, ainda, que valorizar a capoeira nas escolas, além de fortalecer a disciplina e o respeito, também é importante para a estética negra, que, no seu entender, ainda encontra muita resistência. “Hoje, dentro de uma escola de educação básica, quando se chega com uma estética que remete à africanidade, há uma certa rejeição. Entretanto, nessas mesmas escolas é comum a comemoração do Halloween, e as crianças já se apropriaram daquela estética, que remete ao machado na cabeça. Isso não assusta, é aceito nas escolas. Mas quando chego com uma alfaia [espécie de tambor] na escola, não é raro ouvir pessoas falando que não gostam do som, que sua religião não contempla esse tipo estética. É preciso refletir sobre isso”, afirmou, observando que bonecas negras também encontram resistência dentro das escolas.

 

Após as falas dos expositores, o debate foi aberto para os demais presentes à audiência, que foram praticamente unânimes em enfatizar o papel educativo da capoeira e a necessidade de levá-la para dentro das escolas. Ao final dos trabalhos, Fernanda Garcia, sintetizando o que foi discutido na audiência, defendeu que a Associação Sorocabana de Capoeira, por meio da mobilização dos capoeiristas, cobre do poder público ações voltadas para a incentivar a valorização da capoeira nas escolas e outros locais, por meio, por exemplo, de convênio com os mestres de capoeira. O evento foi transmitido ao vivo pela TV Câmara (Canal 31.3; Canal 6 da NET; e Canal 9 da Vivo) e poderá ser visto na íntegra no portal da Casa.