Promovida pela vereadora Fernanda Garcia (PSOL), a audiência contou com a participação do ator Paulo Betti e vários agentes culturais
Vereador Fernanda Garcia: presidindo a audiência pública sobre culturaCom o objetivo de tratar dos cortes de recursos no setor cultural de Sorocaba e seus impactos na política cultural como um todo e na Lei de Incentivo à Cultura, a Câmara Municipal de Sorocaba, por iniciativa da vereadora Fernanda Garcia (PSOL), realizou virtualmente a audiência pública intitulada “Cadê a Linc?”, na noite de quinta-feira, 17, com a participação virtual de vários artistas e produtores culturais, das mais diferentes áreas, como música, dança, teatro, literatura, entre eles, o ator e diretor sorocabano Paulo Betti e a advogada e jornalista Grace Carreira, assessora jurídica para projetos culturais, com 16 anos de experiência na área.
Fernanda Garcia observou que a Linc (Lei de Incentivo à Cultura) não vem sendo executada desde 2020, fato que, segundo ela, se torna ainda mais grave em face da pandemia, que aumentou o número de desempregados, sobretudo no setor cultural. No início dos trabalhos, a vereadora lamentou a ausência da Secretaria de Cultura, observando que a pasta vem perdendo recursos nos últimos anos e, na atual gestão, sofreu um corte de cerca de R$ 9 milhões. Fernanda Garcia lembrou que, já no seu primeiro ano de mandato, chegou a apresentar emenda prevendo um acréscimo de 0,2%, anualmente, no orçamento da cultura. “Nosso objetivo era que a verba da cultura alcançasse 1,8% do orçamento em 2021, mas, hoje, não chega a 1%”, lamenta.
Paulo Betti, ator e diretor: testemunho sobre importância da LincRaízes sorocabanas – Lembrando que suas raízes estão em Sorocaba e que, mesmo radicado no Rio de Janeiro, continua preocupado com os destinos da cidade, Paulo Betti lembrou que quase tudo o que recebia sobre as ações culturais em Sorocaba, como livros e informações sobre produções culturais, tinham como fonte de financiamento a Lei de Incentivo à Cultura, o que, no seu entender, mostra a importância da Linc e aponta para a necessidade de ao menos mantê-la com os recursos de que dispunha antes. Para Paulo Betti, o Brasil lida com um governo que “odeia arte”. O ator criticou o Governo Federal devido à gestão da pandemia e os problemas no meio ambiente, entre outras questões, valendo-se das palavras do médico sanitarista Gonzalo Vecina, um dos criadores da Anvisa e, também, sorocabano, que é crítico em relação ao governo federal.
A jornalista e advogada Grace Carrera, que integra o Conselho Municipal de Cultura, disse que Sorocaba sempre acompanhou as tendências da cultura no Brasil e foi vanguarda em criar uma lei de incentivo à cultura, ainda nos anos 90, bem como foi uma das primeiras cidades a se preparar para aderir ao Sistema Nacional de Cultura. Também afirmou que a promoção da cultura é um dever do poder público, garantido pela Constituição. “Quando temos leis que fomentam a cultura na cidade e elas não são cumpridas, isso é grave”, afirmou, discorrendo sobre o papel do poder público na cultura à luz do direito.
Carrera disse que a Lei de Incentivo à Cultura e os prêmios culturais de Sorocaba estavam sendo revistos, como é de praxe nas políticas públicas, mas não houve a estabilidade política necessária para que essa revisão fosse concluída, devido à troca de secretários de Cultura (“onze em quatro anos”). Agora, em face da pandemia, ela defende que é preciso publicar de imediato o edital da Linc e promover os prêmios da forma em que estão, uma vez que, no seu entender, não há condições de fazer a revisão nesse momento, em que o mais importante é amparar uma categoria profissional, no caso os artistas e produtores culturais, que estão praticamente há dois anos sem trabalhar. A assessora jurídica também defendeu o aumento do orçamento da cultura, alegando que cultura é investimento e o setor gera emprego e renda.
Participantes de várias áreas da culturaCultura e economia – O músico Richard Ferrarini, que é gaúcho e veio para São Paulo estudar no Conservatório de Tatuí, conta que se radicou em Sorocaba em 2004, devido à posição privilegiada da cidade, entre São Paulo e Campinas, e defendeu que os artistas, quando advogam mais investimentos em cultura não devem fazê-lo como quem está pedindo, mas como quem compreende a importância da cultura para a economia. Ferrarini observou que uma apresentação cultural envolve uma série de outros profissionais, movimentando um grande mercado e dando visibilidade à cidade. “A cultura gera empregos, ainda que seja difícil quantificá-los, por não serem empregos formais”, enfatizou.
Tarsila Toti, que trabalha com “empoderamento da população preta”, disse que “o mundo vive um momento de tristeza com a pandemia e a cultura pode trazer um alento para as pessoas”. A profissional, que atua na área do serviço social, enfatizou, com base em sua experiência, que os projetos culturais precisam ser descentralizados e levados para as periferias. Também defendeu que o Plano Municipal de Cultura seja implementado.
O professor Manuel Francisco Filho, do Núcleo Étnico-Racial do Instituto Contraproposta, que também é professor e diretor da rede municipal de ensino, disse que “o brasileiro precisa mais do que pão, precisa de uma formação que o conduza à ideia de nação, forjada na solidariedade e em valores compartilhados”. O professor conta que começou a produzir cultura de forma independente e disse que essas iniciativas “precisam de estrutura para poder sobreviver de sua arte, produzir cultura de qualidade e disseminar essa produção”. O professor lamentou que, no ano passado, praticamente não houve incentivo à leitura na rede municipal de ensino por parte da Prefeitura, mas disse que o instituto em que atua, sem incentivo oficial algum, conseguiu distribuir 400 livros infantis para as crianças da rede. “A escola pode ser a porta de entrada das políticas culturais”, defendeu.
Mercado de trabalho – Maria Tereza Ferreira, da entidade Unegro, destacou que, quando se olha um hospital, além dos profissionais de saúde, há uma série de outros trabalhadores que atuam para que o hospital funcione, como o pessoal da limpeza e de outras áreas de suporte, e disse que isso também ocorre na cultura, em que uma apresentação teatral também emprega a faxineira e o pipoqueiro, por exemplo. No seu entender, com a pandemia, esses profissionais de suporte da cultura acabaram esquecidos. “Precisamos olhar a Linc e a Lei Aldir Blanc, entre outras políticas culturais, não apenas como incentivo cultural, mas também como mercado de trabalho”, afirma.
Sandy Domingues, da Associação Cultural de Fomento à Arte e Memória de Sorocaba e Região, falou da importância da arte e da cultura brasileira no mundo, citando como exemplo Portugal, pais onde morou e que consome muita produção cultural brasileira, e criticou a transferência de recursos da cultura para a limpeza na cidade, que ocorreu na atual gestão. O delegado do Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo (Sated), Marcos Felipe Sanson, endossou as críticas de Sandy Domingues e criticou o remanejamento de verbas da cultura para a conservação da cidade, promovidas pelo Executivo, relatando as gestões que fez junto à Prefeitura de Sorocaba, em nome do sindicato, para tratar do assunto.
Ação coletiva – A produtora cultural Brandini, que é DJ e integra o Movimento Slam 015, coletivo de poesia marginal, falou das dificuldades dos artistas e produtores para deslindar as complexidades das leis de incentivo à cultura e enfatizou que é preciso promover a acessibilidade dos artistas da periferia a esses incentivos oficiais. Ella Vieira, do Maloca Centro Cultural, lembrou que o artista não vive num mundo isolado, mas dentro de um sistema econômico, que faz de sua arte um produto. Para ele, o artista não pode viver apenas de edital, mas deve lutar pela efetividade do Plano Municipal de Cultura para que o artista não fique vulnerável. A advogada e jornalista Grace Carrera, corroborando a visão de Ella Vieira, disse que a cultura tem de ser pensada inclusive no Plano Diretor da cidade, compreendendo a política pública de forma orgânica e vendo a cidade como um lugar de práticas culturais.
No final da audiência pública, Fernanda Garcia enfatizou que a ação é coletiva e disse que todas as questões levantadas na audiência pública irão servir para alicerçar as cobranças junto ao Executivo quanto à política cultural de Sorocaba. A vereadora também leu a manifestação de sua colega de parlamento, a vereadora Iara Bernardi (PT), que não pôde participar da audiência, devido a outro compromisso, mas comentou que a Secretaria de Sorocaba nunca recebeu a atenção devida das gestões do Executivo. Além dos participantes virtuais, a audiência pública contou com a participação, pelas redes sociais, de vários artistas e produtores culturais, que parabenizaram a vereadora pela realização do debate sobre a cultura e enviaram perguntas, questionamentos e comentários.