23/07/2021 12h15
atualizado em: 26/07/2021 07h18
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Com a participação de cantadores de cururu, o programa Manhã Câmara resgatou o passado e tratou do futuro dessa manifestação cultural

Um dos ritmos mais populares da música caipira, presente em grandes sucessos desse cancioneiro, como O Menino da Porteira (1955), de Teddy Vieira & Luisinho, imortalizada pela própria dupla e grande sucesso na voz de Sérgio Reis, o cururu é uma antiga tradição cultural paulista, encontrada, sobretudo, na região do Médio-Tietê, que inclui Sorocaba. O cururu é um desafio entre cantadores, que improvisam seus versos ao som da viola caipira, como descreve outro clássico da música de raiz, Peito Sadio (1961), de Raul Torres e Rubens Bueno, imortalizada por Zé Carreiro & Carreirinho.

Devido à importância do cururu na cultura sorocabana, a Câmara Municipal de Sorocaba, por intermédio da Lei 11.654, de 3 de janeiro de 2018, de autoria do então vereador João Paulo Miranda, mais conhecido como JP Miranda, instituiu no calendário oficial da cidade o “Dia do Cururu”, celebrado, anualmente, em 19 de julho. Em razão da data, a Rádio Câmara dedicou o programa Manhã Câmara, desta sexta-feira, 23, a essa manifestação cultural, com a participação virtual de cantadores de cururu de Sorocaba e região e de um pesquisador do assunto.

No programa apresentado por Priscilla Radighieri e Marcelo Araújo, o professor Luiz Carlos Rodrigues, que pesquisa a tradição do cururu na cultura paulista, discorreu sobre essa manifestação cultural, juntamente com os cantadores de cururu Andinho Soares e Cássio Carlota e o diretor geral da Escola do Legislativo, Anderson Santos, que já foi secretário de Cultura e, como radialista, conviveu com o cururu desse o início de sua carreira de comunicador na Rádio Cacique, no início da década de 80, conforme lembrou durante o programa, ao relatar que os cantadores de cururu chegavam à rádio entre as quatro e meia e cinco horas da manhã para se apresentarem.

Cantador e violeiro – O cantador Andinho Soares, que é também roqueiro, mas vem de uma família caipira e conheceu o cururu através de seu avô, discorreu sobre o papel do instrumentista no cururu, observando que o violeiro de cururu é diferente do violeiro solista ou violeiro das duplas, pois ele tem que acompanhar o cantador e não o contrário. “No cururu, não é a voz que acompanha o instrumento, mas o instrumento que acompanha a voz. Então, o violeiro de cururu também tem de ser um improvisador. Como o cururu é um improviso, às vezes o cantador demora um tempo para pensar o arremate da estrofe e dobra o verso, saindo da matemática da música, mas sem perder o ritmo; o violeiro precisa acompanhar isso”, explica, citando Carlos Caetano como um dos grandes violeiros de cururu.

O cantador e violeiro Cássio Carlota, que é vereador em Porto Feliz e, com 35 anos, integra a nova geração de cururu, concorda que não é fácil acompanhar o cantador de cururu e enfatiza que o violeiro dessa tradição precisa se adaptar ao cantador. “Se o violeiro não tiver prática, ele acaba derrubando o cantador de cururu. Quando o violeiro vai bem, o cantador deslancha; quando o violeiro não tem prática, o cantador espera uma nota da viola e a nota não vem, então, o cantador acaba se perdendo. Por outro lado, se o cantador der uma enroscada, o violeiro tem de improvisar também, abrindo um tempo no compasso da viola para não derrubar o cantador”, observa Cássio Carlota, que, assim como Andinho Soares, diz que são poucos os violeiros com prática de tocar cururu.

Origens do cururu – Para Luiz Carlos Rodrigues, as origens do cururu se perdem na imprecisão do tempo e há versões diferentes acerca de seu surgimento, mas, segundo ele, o mais provável é que o cururu teve sua origem com os portugueses que vieram para o Brasil e, no país, incorporou, além da viola caipira, o pandeiro e o reco-reco, como instrumentos de acompanhamento. Originalmente, contou o pesquisador, o cururu era utilizado pela Igreja Católica como meio de evangelização das populações ribeirinhas, que não sabiam ler e passavam a conhecer as histórias bíblicas e a doutrina católicas através dos desafios do cururu.

Com o passar do tempo, o cururu foi deixando suas origens religiosas e incorporando temas profanos, fazendo muito sucesso nas fazendas e despertando o interesse das emissoras de rádio. “Qualquer assunto passou a ser tratados nos desafios de cururu, como ocorre até hoje, o que, inclusive, facilitou o trabalho dos cantadores”, observa Luiz Carlos Rodrigues, acrescentando que, da década de 60 até o início da década de 90, os cantadores de cururu, como Cido Garoto, Dito Carrara e Parafuso (que era de Piracicaba e foi homenageado pela dupla Tião Carreiro & Pardinho) se apresentavam nas rádios e levavam multidões aos circos.

Entretanto, o pesquisador reconhece que o desafio de cururu não se expandiu entre as novas gerações e, com exceção do programa Viola, Minha Viola, de Inesita Barroso, na TV Cultura, os meios de comunicação deixaram de dar espaço para o cururu, que ficou meio esquecido, pois deixou de ser financeiramente viável para as rádios. Para Luiz Carlos Rodrigues, a lei que institui o “Dia do Cururu” em Sorocaba é uma ferramenta importante para manter viva essa tradição, inclusive com reflexos positivos nas cidades vizinhas.

Mulheres no cururu – Instigado por Priscilla Radighieri, Luiz Carlos Rodrigues também falou sobre a participação das mulheres no desafio de cururu, que, segundo ele, “é uma questão delicada, pois o ambiente do cururu é predominantemente masculino”. Além de uma mulher que teria tentado cantar cururu em 1947, o pesquisador conta há registros de apenas duas cantadoras de cururu: Nhá Bentinha, em Sorocaba, apresentadora de rádio e televisão, e Cidinha do Cururu, ambas com mais de 70 anos. “A Nhá Bentinha deixou de cantar o cururu justamente pelo ambiente de improviso do cururu, que, às vezes, deixa em maus lençóis a figura da mulher”, disse Rodrigues, ressalvando, entretanto, que as mulheres estão muito presentes ao lado dos cantadores.

Durante o programa também foram exibidas apresentações de Cássio Carlota e Andinho Soares em sessão solene da Câmara Municipal, realizada em 8 de maio de 2018, por iniciativa do vereador João Donizeti Silvestre (PSDB). Na ocasião, o cantador Cido Garoto (cujo nome de batismo era Aparecido Garuti), autor do livro Cururu: Retratos de uma Tradição, com prefácio do historiador Carlos Carvalho Cavalheiro e publicado pela Linc (Lei de Incentivo à Cultura), foi homenageado pela Câmara, mas não pôde comparecer à solenidade, pois já estava com problemas de saúde e morreria dias depois, em 16 de maio de 2018, aos 75 anos.