Pesquisadores participantes do programa apresentaram trabalhos sobre a legenda oculta na TV e o uso de Libras no estudo da ciência
A acessibilidade para surdos nos veículos de comunicação e no estudo da ciência foram temas do programa Diálogos, da Escola do Legislativo, transmitido pela TV Câmara, na quarta-feira, 28, com a participação da professora Francimar Mangabeira Martins Maciel, mestre em Comunicação e Cultura, e do biólogo Bruno Iles, que faz doutorado em Nanociência e Nanobiotecnologia na UnB, além do professor Guilherme Profeta, repórter do projeto Uniso Ciência e docente do curso de graduação em Jornalismo da Universidade de Sorocaba. O programa foi conduzido por Paulo Marquez, com a participação de Fábio Mascarenhas, secretário de Comunicação Institucional da Casa, e Anderson Santos, diretor da Escola do Legislativo.
No programa, Bruno Iles, que é biólogo e mestre em biotecnologia, expôs o “Manual de Libras para Ciências: A Célula e o Corpo Humano”, do qual é coautor, no qual traduz em linguagem de sinais conceitos básicos da área de biologia. Já a professora, pedagoga, tradutora e intérprete de Libras, Francimar Maciel, apresentou o resultado da dissertação “A Legenda Oculta no Jornal Televisivo e a Comunicação dos Surdos”, desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba (Uniso).
Também participou do programa o jornalista e professor Guilherme Profeta, mestre em Comunicação e doutor em Educação, que atua no projeto de jornalismo científico “Uniciência”, da Uniso, voltado para divulgar a produção científica da universidade. Profeta ressaltou a importância não só da ciência aplicada, que tem mais visibilidade devido aos resultados mais imediatos, mas também da ciência básica, por ser fundamental para o desenvolvimento da ciência e que também tem aplicabilidade no cotidiano. “Uma pesquisa sobre a origem do universo, por exemplo, pode exigir o desenvolvimento de um tipo de conhecimento que pode acabar sendo utilizado para tratar o câncer”, destacou.
“O nosso papel no jornalismo científico é transpor a linguagem acadêmica, com seus jargões científicos, para uma linguagem mais coloquial, compreensível para um maior número de pessoas, possibilitando, inclusive, que as pessoas possam debater a ciência e saibam como está sendo empregado o dinheiro dos impostos, pois muitas dessas pesquisas são feitas com recursos públicos”, afirma Guilherme Profeta, acrescentando que a principal função do projeto é aproximar a universidade da comunidade. “Com a pandemia, vivemos um paradoxo: ao mesmo tempo em que as pessoas questionam e até duvidam da ciência, também colocam todas as suas fichas nela. A divulgação científica nesse contexto serve para apaziguar essa tensão”, observa, afirmando que mais de 100 pesquisas já foram divulgadas pelo centro.
O secretário de Comunicação Institucional da Câmara, Fábio Mascarenhas, que é mestre em Comunicação e Cultura pela Uniso e professor do curso de Relações Públicas da instituição, enalteceu o apoio da mesa diretora no sentido de aproximar o Legislativo da sociedade, através dos meios de comunicação da Casa, e destacou a criação do “Laboratório de Inovação” que está sendo implantado no Legislativo. O laboratório pretende fomentar a interação com a sociedade sorocabana e estimular a produção de ideias inovadoras e terá no programa Diálogos, aberto à comunidade científica, uma de suas ferramentas. O diretor da Escola do Legislativo, Anderson Santos, também destacou a importância de se divulgar as pesquisas produzidas na academia.
Libras na ciência – O biólogo Bruno Iles, graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), mestre em Biotecnologia pela mesma instituição e doutorando em Nanociência e Nanobiotecnologia pela Universidade de Brasília (UNB), discorreu sobre o livro “Manual de Libras para Ciências: A Célula e o Corpo Humano”, resultado de um projeto que desenvolveu juntamente com Taiane Maria de Oliveira, Rosemary Meneses dos Santos e Jesus Rodrigues Lemos. Dividido em onze capítulos, o livro utiliza a linguagem de sinais para explicar conceitos básicos do corpo humano, como célula, tecidos, músculos, ossos e os sistemas circulatório, urinário, digestivo, nervoso e respiratório, além dos sistemas reprodutores masculino e feminino.
O pesquisador conta que a ideia de escrever o livro surgiu quando fazia estágio como professor de ciências numa escola pública do Piauí e não conseguia se comunicar com dois alunos surdos que havia na sala. Então, na disciplina de Libras, na universidade, propôs à professora Rosemary Meneses dos Santos a produção de um artigo científico e uma cartilha com os sinais de Libras sobre biologia. A proposta acabou resultando na produção do livro, publicado em formato PDF, em 2020, e disponibilizado gratuitamente, podendo ser baixado na Internet. O trabalho, iniciado no Campus de Parnaíba da UFPI, durou três anos e contou com a colaboração do Campus de Teresina, sede da instituição, que colocou à disposição dos autores um grupo de surdos. Segundo Iles, o manual foi produzido sem qualquer recurso financeiro, apenas com base na força de vontade.
“É muito importante a participação dos surdos nesse tipo de projeto porque é para eles que o manual foi criado. Tínhamos um grupo de cinco surdos, inclusive uma deficiente auditiva, aluna de biologia, que, na época, não se identificava como surda, pois tinha vergonha, o que ela conseguiu desmistificar no processo de criação do manual”, conta Bruno Iles, acrescentando que ele próprio não é fluente em Libras, apenas consegue se comunicar. Segundo ele, não existe muito material em Libras para nenhum tipo de disciplina, salvo um material de 1998, sobre ciências e geografia, publicado em Maringá. Com isso, o manual produzido por Iles e seus colegas acabou se tornando uma referência no país, tendo muito boa receptividade, segundo ele, e suscitando outras iniciativas do gênero, em diversas áreas.
Surdos e comunicação – A professora Francimar Mangabeira Martins Maciel conta que sua pesquisa teve como principal objetivo saber se o sistema de legenda oculta da televisão e de outros meios de comunicação audiovisual, como o YouTube, também conhecido como closed caption, na terminologia em inglês, efetivamente funciona para compreensão dos surdos e usuários da língua de sinais. Segundo ela, a Universidade Federal do Ceará, que também pesquisa o assunto e está mais avançada nessas pesquisas, chegou a uma conclusão parecida com a da pesquisa feita por ela na Uniso: a legenda oculta precisaria passar por uma adaptação para poder se comunicar efetivamente com os surdos.
“Essa adaptação é mais ou menos o que o intérprete de língua de sinais faz ao transpor uma fala em língua portuguesa para a língua de sinais. A estrutura da língua portuguesa é uma e a da língua de sinais é outra. A maioria das pessoas imagina que, nós, intérpretes da língua de sinais, colocamos sinais sobre as palavras das sentenças em português ou em qualquer outra língua, mas não é isso o que ocorre”, afirma. Segundo ele, uma frase como “Quantos anos você tem?” é transposta para a língua de sinais com um só gesto e, ao ser transporta integralmente na legenda, pode não ser compreensível para quem sofre de surdez profunda e nunca ouviu a voz humana. Além disso, a pesquisadora observa que a legenda tende a ser muito rápida e qualquer pessoa pode ter dificuldade de acompanhá-la.
Francimar Maciel explicou que há diferentes grupos de surdos: surdos que nasceram numa família de pais ouvintes, que são a grande maioria, e surdos que nasceram numa família de pais surdos. “Para a maioria das pessoas surdas, a descoberta da surdez pelos pais significa choque, frustração, médico. E às vezes o médico não recomenda que se ensine à criança a língua de sinais. Infelizmente, ainda temos esse problema clínico. Então, a criança será encaminhada para a oralização. Não tenho nada contra a oralização, ela é excelente, mas não pode ser usada para retirar o direito de aprender a língua de sinais. Às vezes acontece de se trabalhar só com a oralização com a criança e, quando ela chega aos onze, doze anos, não consegue desenvolver a fala e então se recomenda que ela busque outro recurso e esse recurso é a língua de sinais. Só que a criança vai carregar um déficit cognitivo para o resto da vida”, afirma.
O programa Diálogos é transmitido ao vivo, todas as quartas-feiras, pela TV Câmara (canal 31.3 da TV aberta, canal 4 da Claro NET e canal 9 Vivo Fibra) e fica disponível nas redes sociais do Legislativo – Facebook e YouTube.