Organizada por Iara Bernardi e Fernanda Garcia, com o Conselho da Mulher, o evento contou deputadas federais, entre outras participações nacionais
Com o tema “Dignidade Menstrual”, a Câmara Municipal de Sorocaba realizou audiência pública na noite de sexta-feira, 4, por iniciativa das vereadoras Iara Bernardi (PT) e Fernanda Garcia (PSOL), em parceria com o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. Além das vereadoras, compuseram a mesa dos trabalhos a presidente do conselho, Emanuela Barros, e as seguintes participantes nacionais (por meio virtual): as deputadas federais Marília Arraes (PT-PE) e Erika Kokay (PT-DF); Ana Rosa Silva, da Secretaria da Mulher do Maranhão e coordenadora nacional da Campanha de Combate à Violência Menstrual das Mulheres de Axé do Brasil; e Patrícia Alencar, presidente do Projeto “Mulheres da Cufa” da Central Única das Favelas (Cufa) e diretora da Cufa Minas.
O evento contou com a participação de diversas entidades, como Coletivo Rosa Lilás , Coletivo Juntas, Cufa, Secretaria da Mulher Trabalhadora da CUT-SP, Setorial de Mulheres do PSOl, Setorial de Mulheres do PT, Afromaxima, Coletivo de mulheres Sindicato dos Metalúrgicos, Instituto Plena Cidadania, Promotoras Legais Populares, Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Vestuário de Sorocaba e Região, Coletivo Marias de Maio, MML (Movimento Mulheres em Luta, da Conlutas), Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba (Flamas), Coletivo Negro Minervino de Oliveira, Juventude do PT de Sorocaba, Unegro, PSTU, Axé do Brasil e Comitê dos Direitos Humanos e Cidadania. O vereador Fábio Simoa (Republicanos) foi representado por um assessor parlamentar.
Projetos em tramitação – As vereadoras proponentes da audiência pública são autoras de projetos de lei que tramitam conjuntamente na Câmara de Sorocaba e tratam da dignidade menstrual. O Projeto de Lei nº 198/2021, de autoria da vereadora Fernanda Garcia (PSOL), recebeu manifestação contrária do Executivo, que alegou que as alunas da rede municipal não estão em idade menstrual; já o Projeto de Lei nº 208/2021, de autoria da vereadora Iara Bernardi (PT), ainda aguarda resposta do Executivo.
Iara Bernardi lembrou que a menstruação era um grande tabu no passado, para o qual o próprio movimento feminista, no seu entender, demorou a despertar, disse que ainda há preconceito sobre o tema e criticou o veto do presidente da República ao projeto de lei que tramita no Congresso Nacional e trata da dignidade menstrual. A vereadora também criticou a alegação do Executivo municipal para não encampar a proposta de distribuição de absorventes, sob o argumento de que a rede municipal atende meninas com menos de dez anos. “A resposta da Prefeitura é ridícula, pois temos cinco escolas do Fundamental II e há casos de meninas que engravidam aos dez anos, sem contar que a proposta prevê a distribuição na rede de saúde e outros locais que atendem as famílias mais vulneráveis”, afirma Iara Bernardi.
A vereadora Fernanda Garcia (PSOL) também criticou o veto ao projeto de lei que prevê a distribuição de absorventes, enfatizou que há uma política de desmonte das políticas públicas por parte do governo federal, defendeu os projetos de lei sobre o tema que tramitam na Câmara de Sorocaba e citou dados sobre a questão, observando que, de acordo com estimativas de diversas pesquisas, cerca de 4 milhões de meninas não têm acesso a cuidados íntimos, como os cuidados com a menstruação. “Estima-se, também, que uma a cada cinco mulheres não tem condições de comprar o absorvente”, afirmou.
“Dignidade humana” – A presidente do Conselho Municipal da Mulher, Emanuela Barros, observou que é fundamental nominar os problemas e discuti-los para que eles venham à tona, citando especificamente o “feminicídio” e a “dignidade menstrual”, e enfatizou: “A dignidade humana diz respeito ao mínimo existencial, isto, bens, direitos ou oportunidades cuja privação é considerada intolerável, na medida em que comprometem toda a existência do ser”. Para ela, dignidade menstrual está muito relacionada com a questão da desigualdade social, como as condições precárias de moradia, observando que essas questões se agravaram com a pandemia de coronavírus.
Autora do Projeto de Lei 4.968/19, juntamente com cerca de outros 30 parlamentares, que garante a distribuição de absorventes higiênicos para mulheres em situação de vulnerabilidade em todo o país, a deputada federal Maria Arraes, do PT de Pernambuco, também participou da audiência. A parlamentar disse que, de início, o projeto chegou a ser alvo de piadas, mas, aos poucos, conseguiu sensibilizar a sociedade. “Só isso já é uma grande vitória. Através de muita articulação, envolvendo esquerda e direita, governo e oposição, conseguimos aprovar o projeto, por unanimidade, na Câmara e no Senado. Infelizmente, o presidente vetou o projeto”, lamenta Marília Arraes, afirmando o que o argumento para o veto não é procedente, uma vez que, segundo ela, a proposta prevê fonte de receita, acordada, inclusive, com a base do governo. No seu entender, o veto tende a ser rejeitado em plenário, bastando que seja pautado, por meio de pressão popular.
A deputada federal Erica Kokay lembrou ter sido colega de Iara Bernardi na Câmara Federal, quando a deputada sorocabana foi deputada federal pelo PT de São Paulo. “Vivenciamos juntas lutas históricas”, disse Kokay, observando que foi da iniciativa de Iara Bernardi os projetos de “criminalização da homofobia” e de atendimento às vítimas de violência sexual. “Nenhuma violência é ensimesmada, uma violência alimenta outras. As meninas que deixam de ir à escola devido à pobreza menstrual não terão o mesmo desempenho escolar dos demais alunos”, afirmou, reiterando o que disse sua colega Marília Arraes a respeito do veto presidencial ao projeto de lei sobre dignidade menstrual. Para Kokay, o veto não se justifica, pois todas as fontes de financiamento estão elencadas. “E o projeto vai custar cerca de 85 milhões de reais. O que isso representa diante dos gastos com cartão corporativo do governo?”, questiona.
Mulheres negras – Chefe do Departamento de Gestão e Articulação da Secretaria da Mulher do Maranhão e coordenadora nacional da Campanha de Combate à Violência Menstrual das Mulheres de Axé do Brasil, Ana Rosa Silva discorreu sobre a importância da luta pela dignidade menstrual, sobretudo, para as mulheres negras, que, conforme enfatizou, são as que mais sofrem violência. Disse que no Maranhão já existe uma política nesse sentido, que precisa ser ampliada, e explicou o trabalho desenvolvido pelas Mulheres de Axé, movimento iniciado na Bahia e presente em 20 Estados, defendendo que a distribuição de preservativos seja feita de forma sustentável, por meio de fábricas sustentáveis, que beneficiem famílias mais carentes.
Presidente do Projeto “Mulheres da Cufa” da Central Única das Favelas (Cufa) e diretora da Cufa Minas, Patrícia Alencar ressaltou que “falar da dignidade menstrual é falar de direitos humanos” e explicou o trabalho desenvolvido pela Central Única das Favelas, que teve início há mais de 20 anos e sempre teve mulheres em sua linha de frente. “Dar voz às mulheres é algo fundamental dentro da Cufa”, afirmou, observando que a entidade atua dentro das favelas e em comunidades indígenas e quilombolas, estando presente em mais de 5 mil favelas no Brasil. “Essas pessoas, sobretudo com a pandemia, estão sem recursos para comprar o que comer e não têm como comprar absorvente, por isso, a importância da dignidade menstrual como política pública”, enfatizou.
Após a explanação das expositoras, o debate foi aberto para os representantes das diversas entidades e coletivos que participaram da audiência pública. As vereadoras Iara Bernardi e Fernanda Garcia, juntamente com os participantes da audiência, acordaram que será feita uma mobilização para que os projetos de lei que tratam da dignidade menstrual entrem em pauta na Câmara Municipal para ser votado e aprovado, por meio da sensibilização dos demais vereadores, cabendo, em seguida, ao Executivo se posicionar sobre ele, sancionando-o ou vetando-o. A audiência pública foi transmitida ao vivo pela TV Câmara (Canal 31.1; Canal 4 da NET; Canal 9 da Vivo Fibra) e pelas redes sociais do Legislativo.