31/10/2022 09h52
atualizado em: 31/10/2022 09h51
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Promovida pela Escola do Legislativo em parceria com o Centro Acadêmico da Fadi, a palestra foi ministrada pela advogada Flávia Bellaguarda

As relações entre políticas públicas e mudanças climáticas e suas consequências para a sociedade foram tema de palestra ministrada pela advogada Flávia Bellaguarda, na manhã desta sexta-feira, 29, no plenário da Câmara Municipal de Sorocaba. Com o título “Mudança Climática e Gestão Pública”, o evento foi promovido por meio de parceria entre a Escola do Legislativo e o Centro Acadêmico “Rubino de Oliveira” da Faculdade de Direito de Sorocaba (Fadi).

Aberto pelo diretor da Escola do Legislativo, Anderson Santos, o evento contou com a presença da diretora cultural do Centro Acadêmico da Fadi, Maria Eduarda Mariano, que ressaltou a “parceria frutífera” da entidade com a Câmara Municipal, através da Escola do Legislativo, no sentido de abrir espaço de diálogo com a sociedade civil. O secretário de Comunicação Institucional da Casa, Fábio Mascarenhas, destacou que a Câmara de Sorocaba, por determinação da mesa diretora, está aberta à participação da sociedade, através de seus vários segmentos, e também ressaltou a importância da parceria. O advogado Enzo Valério, presidente do Instituto Constantinus de Mediação e Arbitragem, encarregou-se da apresentação da palestrante. 

Ativista climática, a advogada Flávia Bellaguarda é gerente de Relações Internacionais do Centro Brasil no Clima e consultora de Justiça Climática no Climate Reality Brasil. É mestre em Desenvolvimento Internacional em Sustentabilidade e Política pela Universidade de Birmingham (Inglaterra), com formação em Sustentabilidade pela Schumacher College, além de co-fundadora do Youth Climate Leaders, startup que treina jovens para o mercado de trabalho, e fundadora da Laclima, rede de advogados pelo clima. É, ainda, articuladora do Global Shaper (rede de jovens do Fórum Econômico Mundial), líder na Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps) e membro do RenovaBR.

Crise do século – “A mudança climática é maior crise do nosso século. Ela afeta a vida de todos e intensifica as desigualdades sociais”, afirmou a palestrante, observando que a questão social e a questão ambiental devem caminhar sempre juntas, pois estão imbricadas. “A ciência comprova que a mudança climática é causada pela ação humana na Terra: a forma como se usa o solo, a indústria, a pecuária, o nosso consumo, com as emissões de gases, que aquecem o planeta e fazem com que a temperatura aumente”, explicou.

Flávia Bellaguarda observou que a Terra, como ser vivo, passa por oscilações climáticas ao longo do tempo, mas ressaltou que, com a mudança climática, essas oscilações passaram a ser mais frequentes. E citou como exemplo as secas no Nordeste, que, apesar de serem crônicas, atualmente estão mais intensas e menos espaçadas, além de ocorrerem chuvas muito mais intensas, com inundações, em intervalos também menores. Também observou que, em Sorocaba, a crise hídrica, que é um dos efeitos da mudança climática, não está totalmente resolvida.

“Estamos falando de ter água limpa, ar puro e terra fértil. Uma cidade que não olha para isso como valores básicos não está olhando para o futuro, e não só para o futuro, mas até para o presente, pois os efeitos da mudança climática já estão batendo à nossa porta. Esse não é um tema ideológico, mas transversal, que afeta a todos e, consequentemente, tem que somar forças de todo mundo. A mudança climática desafia o modo como pensamos a sociedade, nosso modo de vida, de consumo”, enfatizou.

Sobrecarga da Terra – A palestrante citou dados referentes ao “Dia da Sobrecarga da Terra”, conceito criado pela organização não governamental Footprint Network, com base em milhões de dados estatísticos de 200 países e entidades internacionais. Com isso, estima-se, a cada ano, a data em que humanidade utiliza todos os recursos naturais e começa a gastar recursos que deveriam ser destinados às futuras gerações. Nos últimos anos, a humanidade vem consumindo os recursos naturais cada vez mais cedo. “Neste ano, o Dia de Sobrecarga da Terra foi ontem”, observou a palestrante, referindo-se a data de 29 de julho de 2022.

Para Flávia Bellaguarda, preocupar-se com a mudança climática não significa descartar a possiblidade de desenvolvimento econômico. “Muito pelo contrário, queremos que as sociedades desenvolvam, sim, mas respeitando os recursos naturais. Sem isso, não adianta debatermos absolutamente nada”, enfatizou, acrescentando que a gestão pública tem um papel fundamental nessa proposta de desenvolvimento sustentável, que deve ocupar não apenas as Secretarias do Meio Ambiente, mas envolver todas as pastas de qualquer governo. 

A advogada também discorreu sobre o papel de Sorocaba na discussão da mudança climática e observou que a cidade tem muita responsabilidade nessa discussão, uma vez que, além de sede de sua Região Metropolitana, também se tornou um polo universitário, com várias instituições de pesquisa. Para ela, o município já conta com políticas ambientais e muitos ativistas e instituições engajados na causa, bastando intensificar essa discussão, que deve ser feita com base na ciência e por meio da empatia com o próximo, buscando compreender os entraves que levam as pessoas a não darem a devida importância à mudança climática em suas vidas.

Análise de risco – Para Flávia Bellaguarda, há saídas: “O caminho é a descarbonização, sair da dependência do petróleo, buscar a eficiência energética, por meio de outros modelos de geração de energia”, afirmou. Também discorreu sobre a análise de risco de vulnerabilidade climática, que precisa ser feita pelos municípios, e citou como exemplo Recife, cujo estudo nesse sentido mostrou que alguns dos bairros da cidade ficarão debaixo d’água no futuro. “Vamos construir uma escola nesse bairro? Não. As pessoas que lá moram precisam ser transferidas aos poucos. Para isso, serve a análise de risco”, enfatizou.

Citou, ainda, o exemplo de Tuvalu, um país com menos de 13 mil habitantes e apenas 26 quilômetros quadrados, composto por nove ilhas, situado na Oceania, que deve submergir no oceano. Seu governo pretende comprar um terreno na Austrália para transferir todos os habitantes para o continente. “Não é fácil fazer essa transferência sem que Tuvalu deixe de ser um país”, observou, com o objetivo de mostrar as complexidades não só físicas, mas também humanas, que envolvem a mudança climática. 

Para Bellaguarda, além da compreensão do problema, é preciso implementar políticas públicas sustentáveis, evitando uma “política de engavetamento” desses projetos, até por uma questão de justiça social. “Olhando para as classes sociais, vemos que, quanto maior a riqueza, maior a emissão de carbono, mas quem mais sofre, adoece e morre com essas emissões são justamente os mais pobres, que emitem menos gás. Não é uma equação simples. É algo que exige a atuação de todos. Isso gera angústia, mas não podemos ficar esperando o apocalipse chegar”, observa.

“Salto de época” – Ao discorrer sobre os desafios da humanidade em face da mudança climática, Flávia Bellaguarda citou o sociólogo italiano Domenico de Masi, hoje com 84 anos, autor de diversos livros, entre eles, “O Ócio Criativo”, nos quais desenvolve o conceito de “salto de época”, que significa um momento de ruptura, quando ocorre mudança de paradigmas, no caso, novas fontes energéticas, novas divisões do trabalho e novas divisões do poder. “Quanto esses três pilares mudam, estamos no limiar de uma nova era, num momento de ruptura. Cabe a nós agarrar essa oportunidade propiciada pelo momento de crise e fazer diferente”, enfatizou.

Respondendo a indagações dos participantes, como o diretor da Escola do Legislativo, Anderson Santos, e o secretário de Comunicação Institucional, Fábio Mascarenhas, Flávia Bellaguarda tratou das formas possíveis de engajar o cidadão comum nas causas ambientais, envolvendo a mudança climática, e do “papel crucial” dos gestores públicos. Para ela, é preciso ter empatia para falar de mudança climática com uma pessoa que está lutando pela sobrevivência básica e não tem o que comer. E defendeu a implementação de um imaginário positivo, que não apenas denuncie os efeitos da mudança climática, mas vislumbre uma nova sociedade que pode ser criada por meio de práticas sustentáveis. 

Integralmente gravada pela TV Câmara para ser inserida na programação da emissora após o período eleitoral, a palestra sobre “Mudança Climática e Gestão Pública”, com a advogada Flávia Bellaguarda, foi a segunda de um ciclo de três conferências que estão sendo realizadas pela Escola do Legislativo em parceria com o Centro Acadêmico Rubino de Oliveira da Faculdade de Direito de Sorocaba (Fadi). A primeira palestra, ministrada pelo advogado Everton Gustavo Souza Lopes, teve como título “Um Alerta Necessário sobre a Lei Geral de Proteção de Dados”.